O que é justo quando falamos de leis sobre casamento? Não temos como responder apenas recorrendo ao princípio da igualdade. Toda política sobre esse tema traça linhas divisórias, deixando de fora alguns tipos de relacionamento. A igualdade proíbe que essa divisão seja feita arbitrariamente. Mas não temos como saber que divisões são arbitrárias sem responder a duas questões: o que é o casamento? E por que ele importa para a política?
O casamento é uma união abrangente – de uma forma única. Ele envolve a união de corações e mentes. Mas também (e isso o distingue de outras uniões) uma união corporal tornada possível pela complementariedade sexual-reprodutiva. Assim, o casamento é inerentemente ampliado e enriquecido pela procriação e pela vida familiar, e requer, de forma objetiva, um compromisso sem limites, permanente e exclusivo. Em resumo, o casamento une um homem e uma mulher holisticamente – emocional e fisicamente, pelos atos de amor conjugal e pelos filhos que esse amor traz – por toda a vida. Chamemos a isso de “visão conjugal” do casamento.
Leis que defendam o casamento entre homem e mulher não privam ninguém do companheirismo e de suas alegrias
Lei, moral e o Estatuto da Família
É válido elaborar uma lei para garantir a perpetuação de uma mesma moral? Tal questão anuncia-se no horizonte nacional quando o presidente da Câmara declara querer aprovar, em seu mandato, o Estatuto da Família.
Leia o artigo de Gustavo Dalaqua, doutorando em Filosofia, e Toni Reis, pós-doutorando em Educação.Adotar essa visão não requer convicções religiosas. Pensadores antigos, sem nenhuma influência judaico-cristã – como Aristóteles, Platão, Musônio Rufo e Plutarco – diferenciavam a união conjugal das demais. Essa conclusão também não é produto de nenhuma animosidade contra determinado grupo; ela surge em todo canto, independentemente de debates sobre uniões homossexuais. A visão conjugal é a que melhor se encaixa em nossas práticas sociais e julgamentos sobre o que é o casamento.
Se dois homens, ou duas mulheres, podem se casar, então o que diferencia o casamento de outros vínculos é a intensidade emocional. Isso é o que chamamos de “visão revisionista”. Mas não há nada em uma união emocional que exija que ela seja permanente, ou orientada pela vida familiar, ou moldada pelas exigências dessa vida. Nem que se limite a duas pessoas. Nem que haja exclusividade sexual. E, como a maioria das pessoas percebe, vínculos em que faltam essas características não são casamentos.
Então, a visão revisionista entende mal o casamento. Ela confunde casamento com companheirismo, uma categoria obviamente mais ampla. E isso tem consequências. As leis sobre casamento moldam o comportamento ao promover uma visão do que seja o casamento e do que ele requer. Imaginemos que a lei diga que para o casamento só importa o companheirismo emocional e que mães e pais são substituíveis. As crianças que crescerem ouvindo isso estarão mais ou menos propensas a permanecer com seus esposos nos períodos ruins, pelo bem das crianças – ou mesmo a perceber a necessidade de se casar antes de ter filhos? A resposta é evidente. É por isso que a ativista pelo casamento gay Victoria Brownworth (entre outros revisionistas mais francos) diz que essa redefinição “quase certamente vai enfraquecer a instituição do casamento”, e vê como positivo esse resultado. Mas enfraquecer as normas matrimoniais vai ferir as crianças e os esposos, especialmente os mais pobres.
Alguns vínculos permanecem sem reconhecimento, e algumas pessoas seguem sem se casar, independentemente de quais sejam as leis sobre casamento. Se simplesmente dividir uma casa cria certas necessidades, podemos e devemos satisfazê-las onde quer que haja pessoas dividindo casas – não importando se seu relacionamento tem ou não tem componente sexual. Além disso, se rejeitamos a visão revisionista que iguala casamento e companheirismo (e a equivalência entre uma certidão de casamento e uma união legal com propósitos variados), veremos que leis que defendam o casamento entre homem e mulher não privam ninguém do companheirismo e de suas alegrias, e não tornam ninguém menos digno de realização pessoal.
Uma compaixão verdadeira significa estender o senso de comunidade a todos, especialmente aos marginalizados, enquanto as leis sobre casamento permanecem sendo usadas para o objetivo social que melhor cumprem: o de garantir que as crianças conheçam o amor comprometido de uma mãe e um pai cuja união lhes deu a existência. E, de fato, só esse objetivo justificaria regular esse vínculo tão íntimo.