Não era necessário aplicar muito tutano acadêmico para chegar à conclusão de que a vida dos bonitos é mais fácil, o que é mais ou menos óbvio, ainda mais em uma sociedade que preza a beleza física
Tomei emprestado o título deste artigo da "Receita de Mulher", de Vinicius de Moraes, e apenas para ficar em sintonia com nossos tempos politicamente corretos, ampliei o recado do poeta para os feios de ambos os gêneros.
Um pesquisador norte-americano concluiu um trabalho que mostra que as pessoas bonitas têm mais facilidades na vida, tendem a ganhar mais do que os feios, encontram menos obstáculos na carreira. Como corolário estritamente lógico do que seu estudo apontou, o pesquisador afirma que, em termos econômicos, não seria nada demais se os feios viessem a se juntar aos outros desprivilegiados fisicamente e solicitassem que o Estado editasse leis que lhes garantissem um tratamento menos discriminatório. Justiça se faça, o pesquisador não sugeriu nem recomendou isso, mas posso jurar que essa ideia de receber algum tipo de reparação pela discriminação estética já ronda a cabeça de muita gente. Seria a bolsa-feiura, a se somar a outras prebendas estatais.
Não era necessário aplicar muito tutano acadêmico para chegar à conclusão de que a vida dos bonitos é mais fácil, o que é mais ou menos óbvio, ainda mais em uma sociedade que preza a beleza física acima de qualquer outra coisa e idolatra o beautiful people. É claro que a aparência é fundamental para o sucesso em muitas ocupações: pessoas naturalmente carrancudas e de aparência emburrada podem ser anjos repletos de bondade, mas geram nos interlocutores ansiedade e antagonismo e, portanto, não devem ser empregadas em ocupações que devam projetar paz e relaxamento. Hospitais de boa qualidade, por exemplo, procuram colocar na área de recepção de pacientes indivíduos de aparência amistosa, fraternal, simpática, para evitar agravar ainda mais a tensão natural de alguém que já está naturalmente nervoso e inseguro. Jogadores de basquete e vôlei devem ser altos, jóqueis devem ser minúsculos e magérrimos, modelos fotográficos de campanhas publicitárias de pasta de dente devem ter a boca luminosa e inspirando uma sensação de refrescância, seja lá o que isso signifique.
Também é evidente que as pessoas não devem ser tratadas desigualmente por causa da aparência física, mas há desigualdades e desigualdades. Que uma pessoa seja discriminada por causa da cor da pele ou o formato dos olhos é injustificável, mas ser discriminada em algumas coisas por ser por exemplo mais gorda, eu com amplo conhecimento de causa não considero um dano irreparável à personalidade ou às oportunidades de ninguém. Há tempos, lembro-me de um concurso feito pela Polícia Civil em que se exigia como pré-requisito aptidão física superior e habilidades atléticas. Imediatamente a regra foi impugnada por candidatos obesos que se consideravam discriminados por ela. Uma pessoa acima de seu peso ideal poderia, obviamente, se revelar um ás da investigação, um Sherlock Holmes (magro, aliás) ou Hercule Poirot (gordo, na versão filmográfica de Peter Ustinov), mas se o emprego exigisse correr atrás de ladrões, a vaga não seria para ele.
De qualquer forma, a pesquisa do professor norte-americano é favorável aos brasileiros, que vivem claramente um processo de progressivo embelezamento. A população em geral está mais alta (5 cm a mais do que a geração anterior), com dentição infinitamente melhor e traços mais definidos misturando o que há de melhor das nossas raízes nativas e importadas de brancos, negros, índios e orientais. E desse cadinho nasce uma multidão de louras e louros, morenas e morenos, mulatas e mulatos, negras e negros, índias e índios e de indivíduos com traços orientais para salpicar a paisagem deste país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza.
Não se pode, evidentemente, generalizar, mesmo porque o conceito de beleza varia de acordo com a época: Marta Rocha, o símbolo máximo da beleza brasileira no imaginário dos que têm mais de 50 anos de idade, não passaria das eliminatórias em um concurso de misses com suas medidas generosas nesta nossa época dominada por modelos anoréxicos que deambulam como autômatos, com suas faces cavadas e ossos protuberantes. Corrijo: se no tempo dela existisse o Photoshop, passaria sim e as duas polegadas a mais de quadril não a teriam feito perder o título de Miss Universo para uma norte-americana absolutamente insípida, inodora e incolor.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.
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