| Foto: Philippe Desmazes/AFP

A ausência de um amplo conflito armado e direto entre duas ou mais grandes potências, como normalmente era o padrão de tempos passados, pode passar a impressão de um cenário internacional relativamente pacífico. Nada mais enganoso. Diante dos dados apresentados pela Universidade de Uppsala, na Suécia, e pelo Instituto de Pesquisa para a Paz de Oslo, na Noruega – que conjuntamente monitoram os conflitos armados pelo globo e gerenciam a mais respeitada base de dados nesta matéria –, percebe-se, ao contrário, que passamos por tempos bastante sombrios no que toca à violência no cenário internacional.

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Está em curso uma tendência duplamente assustadora. Por um lado, há um franco incremento no número de conflitos no cenário internacional. Naqueles em que pelo menos uma das partes beligerantes é o governo, o aumento ocorre desde 2012, chegando a 50 conflitos em 2015. Este é o segundo maior pico desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ficando atrás apenas de 1991, quando foram computados 52 conflitos. Nos conflitos em que as partes beligerantes são apenas grupos rebeldes ou milícias, sem o envolvimento de um governo, o incremento no número ocorre desde 2010, chegando a 70 conflitos em 2015. Este é, de longe, o maior pico deste tipo de conflito desde o fim da Guerra Fria.

Em número de mortes, os anos de 2014 e 2015 só perdem para 1994, ano do genocídio de Ruanda

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Por outro lado, a tendência não é menos preocupante no que toca ao número de mortes relacionadas aos conflitos armados pelo globo. Desde 2010, há uma expressiva trajetória de aumento neste indicador. Os anos de 2014 e 2015 são o segundo e terceiro maiores picos no número de mortes em conflitos desde o fim da Guerra Fria, com mais de 130 mil e 118 mil pessoas mortas, respectivamente – em 2015, mais da metade das mortes ocorreu em episódios envolvendo os grupos Estados Islâmico, Al-Qaeda e seus afiliados. Em número de mortes, os anos de 2014 e 2015 só perdem para 1994, quando são estimadas perto de 500 mil mortes, sobretudo por causa do genocídio em Ruanda. É precisamente o conflito na Síria que faz com que os valores dos últimos anos sejam elevados. Este é o segundo conflito, atrás de Ruanda, com maior número de mortes desde o fim da Guerra Fria.

Todos os números são, no mínimo, alarmantes. A estes, e em grande medida como consequência dos mesmos, soma-se a pior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial e o grave quadro de fome pelo globo. Não por acaso, as Nações Unidas recentemente declararam enfrentar a maior crise humanitária desde a sua criação, em 1945.

Até o momento, em vez de uma constante tentativa de superação dos diferentes conflitos pelo globo, o que tem prevalecido na política internacional é o avançar de distintos interesses das diferentes potências, sejam elas regionais ou globais, nos diversos conflitos armados no cenário internacional. Esta realidade faz com que vários destes conflitos, como o da Síria, mantenham-se ativos. Consequentemente, vivemos em um cenário internacional com um elevado nível de violência e sem grandes perspectivas de que o mesmo torne-se mais pacífico em breve.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), onde coordena a Cátedra de Estudos para a Paz.