Após mais de 50 anos de conflitos, Colômbia e Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) assinam acordo de cessação de hostilidades e de desarmamento do grupo armado. O acordo feito com a mediação conjunta de Cuba e Noruega tem, como principais pontos, desenvolvimento agrário (reforma agrária e diminuição da pobreza extrema em dez anos), participação política (inclusão de assentos parlamentares para representantes das Farc), fim do conflito, questões referentes às drogas consideradas ilícitas (assistência aos produtores de coca e combate às drogas), proteção às vítimas por meio da criação de um sistema de Justiça de transição e validação do acordo por meio de consulta popular.
O conflito que se iniciou como um movimento revolucionário, cujo objetivo era reivindicar melhor e mais justa distribuição de rendas no país, em poucos anos se tornou uma guerra civil que assumiu características de guerrilha – as ações de combate do grupo paramilitar chegaram a reduzir a capacidade do governo colombiano em até aproximadamente 59% do território nacional em meados da década de 1990. A partir de 1998, com a pauta eleitoral conduzida por Andrés Pastrana, enfatizando a necessidade de diálogo para a solução do conflito, se iniciaram efetivas negociações entre as partes.
O conflito produziu mais de 6,9 milhões de deslocados até meados de 2016
O triunfo da violência sobre a legalidade
Esse acordo é um escândalo e abre um precedente grave e perigoso no julgamento de outros autores de crimes contra a humanidade no futuro
Leia o artigo de Maristela Basso, professora de Direito Internacional na USPDurante o governo Uribe houve avanços e retrocessos, mas o governo Juan Manuel Santos conseguiu, finalmente, em 24 de agosto de 2016, formalizar acordo de 297 páginas com o comandante das Farc, Timoleón Jimenez.
O acordo de cessação de hostilidades de ambas as partes e de desarmamento por parte das Farc ainda está sujeito à validação popular por meio de plebiscito, já convocado para o dia 2 de outubro. O conflito produziu, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), mais de 6,9 milhões de deslocados até meados de 2016 – quantidade maior, inclusive, que o total de deslocados decorrentes do maior desastre humanitário atual, na Síria, e que corresponde a pouco mais de 10,5% do total mundial.
O desafio, agora, é convencer a população colombiana a aprovar o acordo por meio de plebiscito. Se não pela questão política, ao menos por uma questão de humanidade: pela tentativa de diminuição do terceiro maior contingente de deslocados e refugiados no mundo.
Caso a população não aprove o texto final do acordo, a Suprema Corte do país não permitirá a aplicação da anistia concedida a todos os envolvidos no conflito. Isso porque o crime de sedição (rebelião ou conspiração contra o Estado e a segurança nacional) previsto na legislação colombiana somente será anistiado se houver o “sim” popular; caso não haja tal resposta da população, as Farc não se mobilizarão para entrega de suas armas e redução de seu contingente atual.
Ou seja, no caso de não aprovação do plebiscito, o que se coloca em xeque não é apenas a continuidade da violência, mas também a manutenção da situação de grave e generalizada violação dos direitos humanos que vivencia o país, e cujos efeitos ultrapassam as fronteiras da Colômbia. A solução negociada para a retomada do respeito aos direitos individuais está, agora, nas mãos de uma população que desconfia tanto das Farc quanto do Estado, mas que precisa acreditar no acordo de paz.
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