Sim, fui um deles em agosto de 1992; tinha 16 anos. Mas difícil era encontrar quem não fosse. E não era coisa só de jovens, não. Saímos da escola com autorizações escritas dos pais, aval da direção e acompanhamento policial até o local onde as manifestações começavam. Nada revolucionário, portanto. E 23 anos depois ainda me impressiona essa quase unanimidade, mais até do que ter havido o tal impeachment.

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Hoje, vivendo reprise piorada, eis aquela hegemonia de volta, com pesquisas indicando a presidente com ridículos 7% de aprovação popular. É difícil crer que se chegue a isso apenas em prol de alguma ideologia ou partido político. Só a defesa de valores mais altos e universais, como a honestidade, é capaz de algo assim. Nessas horas, que diferença faz sermos de esquerda ou direita? Não fez em 92 – tanto que ninguém se preocupava em parecer assim ou assado. Queríamos apenas os ladrões fora da nossa casa, mais nada. Mas, e hoje, faz diferença?

A zoeira não salvará o país, mas um Lula inflado de presidiário pode nos libertar tanto quanto alguns impeachments

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Faz, infelizmente. Faz para quem coloca sua ideologia acima de valores que fundamentam toda e qualquer convivência social humana. Honestidade não era, não é, não devia ser patrimônio de ninguém, mas um valor pelo qual qualquer ideologia ou corrente política deveria viver, defender e lutar. Ou temos valores que transcendem nossas diferenças, permitindo equacioná-las e resolvê-las, ou só nos resta o uso da força, parteira de tantas ditaduras e totalitarismos de toda cor e tipo ideológico.

Ora, que outra coisa pediu Lula senão isso, ao ameaçar colocar o “exército de Stédile” nas ruas? E aquele sindicalista da CUT conclamando os seus a “pegar em armas”? Ainda que sejam metáforas, significam o mesmo: para eles, acima do certo e do errado, do bem e do mal, está sua ideologia. A honestidade, por exemplo, só valeria se, e somente se, fosse “contra” seus adversários ou inimigos; se lhes “favorecer” em alguma medida, aí não, aí não vale. Daí advém o show de horrores das racionalizações: “são todos iguais”, “é manipulação da imprensa”, “é golpe” etc.

Fosse esse modo de pensar e viver restrito aos acusados e a quem teria muito a perder, seria compreensível. Mas quantos, não tendo nada a ganhar, não estão a dizer as mesmas coisas por aí? E quantos outros não se sentem lacrados por dentro, cúmplices pelo silêncio, mesmo sendo parte daqueles mais de 90%, por temerem muito mais serem confundidos como “de direita”? Sim, eu sei, dirão ser apenas “prudência”, “sensatez”. Mas, na verdade, são só outras racionalizações a colocar valores entre aspas, mais nada.

Se voltei às ruas em 2015, portanto, não foi só pela mesmíssima razão de 92 – querer os ladrões fora da nossa casa –, mas também, e talvez mais ainda, para repudiar quem faz da sua ideologia rainha da realidade, antes que seja tarde demais (olá, Venezuela!). Depois lidamos com o que vier, como estamos lidando com o que veio depois de Collor, esses irmãos siameses que fingem se odiar, PSDB e PT. Se de alguma ideologia precisamos, que seja aquela dos Mamonas Assassinas: “rir para não chorar”. Porque a zoeira não salvará o país, mas um Lula inflado de presidiário pode nos libertar tanto quanto alguns impeachments.

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Francisco Escorsim, advogado e professor, é coordenador do Instituto de Formação e Educação (IFE-Curitiba).