A nova tragédia aérea, desta vez nos Alpes franceses, espalhou pelo mundo uma sensação de assombro e desconforto, perplexidade imprecisa, terrivelmente incômoda.

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As insondáveis razões que levaram o copiloto alemão – 28 anos, desde os 14 no ar, maratonista, boa pinta, sem problemas financeiros – a deixar o comandante fora da cabine enquanto jogava a aeronave contra a montanha colocam uma humanidade já desnorteada por tantos pavores diante de nova e surpreendente impotência.

O que fazer? Que providências tomar se Andreas Lubitz era deprimido, saturnino ou atrabiliário? Demitir imediatamente todos os tristes? Ou apenas os misantropos? Sem eles, porém, o mundo não teria avançado nem produzido tanta beleza. O “fígado negro” (schwarzer Leber, em alemão) é indispensável à introspecção. Ensimesmados sempre foram considerados os mais conscientes, sensíveis, por que são considerados como perigo?

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Desta vez não houve um culpado em quem descarregar a revolta. Não apareceu até agora um vilão para ser demonizado e aliviar a imperiosa necessidade de punir esse extermínio. Nenhum ismo está sendo empurrado para o banco dos réus, facção alguma está sendo incriminada como responsável.

Sem estúpidos para punir, a estupidez que resta avaliar é a própria condição humana. Complicado. Qual a mensagem que Andreas Lubitzer pretendia nos enviar ao estraçalhar tantos inocentes? Nossa fabulosa racionalidade e a inesgotável capacidade de interpretar está sem elementos para armar teorias, explicar, justificar. Nem mesmo relativizar.

Sem estúpidos para punir, a estupidez que resta avaliar é a própria condição humana

Hobbes mais uma vez comparece à cena para sugerir que o homem é o lobo do homem. Antes sugerira o Estado como salvador – forte ou fraco, aberto ou fechado, ativo ou passivo, laico ou religioso, progressista ou conservador, o Estado seria o único ente capaz de oferecer saídas.

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O Estado, porém, é integrado por seres humanos. E seres humanos encarregados de zelar pelo bem-estar dos concidadãos não podem alhear-se da tragédia alpina. Desafiar o mundo, dominá-lo e impor suas loucuras era coisa dos Neros, Hitlers, coisa de tiranos caducos. A nova onipotência parece consistir em trancar-se numa cabine inacessível, acionar as teclas e despedaçar a aeronave contra a muralha de pedras.

Com os dados de que dispomos até o momento, Andreas Lubitz nada inovou, teve inúmeros antecessores e neste exato momento há milhares de candidatos à imolação que se encarceram em cápsulas indevassáveis e, diante do painel de comando, estão prestes a clicar o fim do espetáculo.

Andreas Lubitz agiu sozinho. Este é o perigo. Prioritário salvar os que se sentem sozinhos, resgatá-los da solidão, derrubar portas trancadas, forçar a passagem de sons, luz, ar, palavras – nada pior do que o isolamento para toldar ainda mais o espírito daqueles que se imaginam enredados em impasses. Num mundo enganosamente franqueado, vigoram dispositivos aptos apenas a fabricar estados de sítio. Aos sitiados e sitiadores – igualmente estressados – devemos oferecer saídas, soluções, algum alívio. Talvez uma réstia de confiança de que não estão sozinhos.

A agonia de Andreas Lubitz e dos seus 149 parceiros demorou quase dez minutos. Nesse imenso lapso de tempo é possível desfazer rancores, insinuar pactos, instilar alguma esperança e, com o mindinho, levantar o nariz do avião. Se todos parecem inimigos, dez minutos serão suficientes para estabelecer diferenças.

Diante da medonha façanha de Andreas Lubtiz o mundo deveria parar e pensar. Talvez esta tenha sido sua verdadeira intenção.

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Alberto Dines é jornalista.