A decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello, que liminarmente determinou o afastamento de Renan Calheiros do cargo de presidente do Senado Federal, inflamou ainda mais um desconforto já existente entre os poderes Legislativo e Judiciário sem, contudo, deixar de ser aclamada por grande parte dos brasileiros. Entretanto, é necessário deixar de lado o populismo da medida e analisar a sua adequação aos preceitos legais aplicáveis ao caso. Antes, contudo, é preciso estabelecer uma premissa: a curta análise que segue nem de longe envolverá juízos de valor acerca da moralidade da conduta do senador Renan Calheiros em sua carreira política.
Bem estabelecida esta premissa, é preciso destacar primeiramente que não há dispositivo legal que expressamente vede que um réu em ação penal ocupe cargo na linha de sucessão da Presidência da República. O assunto está sendo debatido pelo próprio Supremo Tribunal Federal na ADPF 402, que ainda não foi julgada. Não há, portanto, definição acerca do tema.
o ministro Marco Aurélio gerou desgaste dentro do próprio STF
Nesse quesito, cumpre ressaltar que o ministro Marco Aurélio gerou desgaste dentro do próprio STF. Ao decidir liminarmente sobre uma questão ainda em debate pelo plenário daquela instituição, relegou o quórum da mais alta instância do Poder Judiciário, o que provocou diversas reações, inclusive de seus pares.
É preciso lembrar também que o senador Renan Calheiros, eleito pelo voto popular, foi escolhido por seus pares para ocupar as funções de presidente do Senado, tudo em observância aos artigos 3.º e 59 do Regimento Interno do Senado Federal – que nada falam sobre a impossibilidade de o presidente da casa ser réu em ação penal. Nesse contexto, a decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello se mostrou precipitada e equivocada.
O presidente do Senado Federal, a rigor, é apenas o terceiro sujeito na linha de sucessão da Presidência. Suas chances de assumir o Poder Executivo são pequenas. Além disso, ele não tem o dever de fazê-lo. Em outras palavras, se o quadro político nacional colocar o presidente do Senado diante da possibilidade de assumir a Presidência da República, ele pode abdicar disso. Trata-se de uma faculdade, e não de uma obrigação.
Não havia, portanto, urgência que justificasse a análise do caso em decisão monocrática, proferida em caráter liminar, ou seja, sem a oitiva de todas as partes envolvidas no caso. Além disso, não cabe a um ministro do STF inovar na ordem jurídica e criar norma jurídica, ainda que com a intenção de combater condutas por ele consideradas antiéticas.
Ao agir assim, o STF acaba por invadir a esfera de competência do Poder Legislativo, dá início a uma crise institucional desnecessária – fomentada pelo descumprimento da ordem judicial emitida pelo ministro Marco Aurélio Mello – e torna ainda mais instável um cenário político já bastante complexo.
É preciso lembrar que o STF é o guardião da Constituição Federal, o que, por vezes, obriga-o a tomar posturas contramajoritárias, pouco populares do ponto de vista social, mas acertadas sob o prisma jurídico-constitucional. E foi isso que o plenário daquela corte fez no julgamento de 7 de dezembro, quando a maioria dos julgadores acertadamente acompanhou o voto de divergência do ministro Celso de Mello, dando fim a um cenário de verdadeiro conflito de poderes.
Por fim, não podemos nos olvidar sobre o não cumprimento da decisão liminar expedida pelo Supremo Tribunal Federal. É inaceitável o descumprimento de uma decisão judicial da mais alta corte do país, por quaisquer razões que as embasem, ainda que teratológicas. Ainda mais grave quando vemos que essa recusa parte do presidente de um poder.
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