Por mais amor às cidades
Curioso que Curitiba, sempre referência em termos de planejamento urbano e desenvolvimento, não foi capaz, até o presente momento, de incorporar adequadamente, com visão de futuro e ousadia, a bicicleta como opção de mobilidade. Igualmente curioso é observar como as recentes iniciativas, implantadas e anunciadas pela prefeitura, já provocam reações adversas de gente que não quer largar dos preconceitos e nem do volante.
Quando falamos da necessidade de implantar espaços seguros para a bicicleta e colocar o pedestre como referência no planejamento, fazemos uma declaração de amor à cidade. A bicicleta é um vetor de ocupação do espaço que trará as pessoas às ruas, facilitará às novas gerações a descoberta da história da cidade, da geografia, dos rios e da vida urbana como um todo.
Leia a opinião completa de Jorge Brand, mestre em Filosofia pela UFPR e coordenador-geral da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (CicloIguaçu).
"Correndo menos Curitiba chega na frente" é o slogan que dá identidade às vias calmas. Recentemente, um pichador teve sua frase ironizada e talvez imortalizada, pois na tentativa de criticar a Copa do Mundo defenestrou a Word Cup ("Copa da Palavra") em vez da World Cup. Em tempos de Copa do Mundo o slogan seria traduzido como Running less e não Running slowly. Um velocista da prova de 100 metros atinge 40 km/h para aproximar-se da marca de dez segundos, enquanto um maratonista precisa manter-se na média de 20 km/h para aproximar-se das duas horas nos 42 km. O velocista corre "menos" que o maratonista, porém no dobro da velocidade. "Menos" é diferente de "mais devagar". Na "Word Cup", Curitiba marca gol contra! Analisemos ponto a ponto:
Compartilhamento: não há novidade alguma, pois conforme a própria sinalização vertical (placa) os pedestres estão na calçada em um plano superior (onde sempre estiveram); e os veículos (leves, pesados, motorizados e não motorizados), no leito carroçável da via, onde sempre estiveram. A placa reproduz o que a lei sempre disse. A separação física entre bicicleta e automóvel que aparece na placa não existe na via. Ainda assim, seria compartilhamento das faixas, e não da via, pois o pedestre não compartilha na calçada, nem o ônibus na canaleta.
Ciclofaixa: não existe ciclofaixa; existe, sim, uma faixa estreita e outra de largura tradicional que podem ser ocupadas por qualquer veículo. A ciclofaixa é delimitada por faixa contínua vermelha, entendendo-se faixa a linha e não a pista pintada (tapete vermelho). O pictograma de uma bicicleta pintada no chão não indica obrigatoriedade, apenas sugere. Sendo a faixa branca descontínua, qualquer veículo pode ocupar qualquer das faixas, inclusive lado a lado onde couber, bem como a bicicleta pode ocupar tanto o bordo direito quanto o esquerdo (tema que já foi objeto de debate na OAB/PR; a lei não define qual lado a bicicleta deve ocupar), e ninguém pode ser autuado por se comportar assim.
Cruzamentos: nos cruzamentos foram pintados "tapetes vermelhos" com a intenção de que as bicicletas ocupem essa área enquanto aguardam a abertura do semáforo, e os veículos motorizados ficam logo atrás. Não há infração de parada sobre a ciclofaixa na espera pela abertura do semáforo, mas apenas sobre a faixa de pedestres. Nem mesmo parar sobre a "faixa de retenção" que se encontra antes da faixa de pedestres é considerado infração, portanto ninguém pode ser autuado por parar sobre o "tapete vermelho" enquanto aguarda a abertura do semáforo.
Velocidade: quanto à velocidade de 30 km/h, seria importante a clareza: ela se aplica em toda a via (inclusive na faixa exclusiva de ônibus, a canaleta) ou apenas nas faixas "compartilhadas"? Até porque essa noção de aproximação é importante para um pedestre que esteja fazendo a travessia onde não haja faixa de pedestres. Faço a observação porque a placa de velocidade máxima que se encontra na calçada impõe 30 km/h, enquanto a que se encontra no centro, junto à canaleta, impõe 40 km/h de máxima.
A conclusão é de que, como ideia (ideal), é genial. Como expectativa de comportamento, é distante. A força legal para alcançar o ideal da forma como está é escassa. Nossa visão crítica não representa contrariedade gratuita à ideia, mas um alerta, pois, quando houver o conflito, o acidente, o prejuízo material, pessoal, na área cível ou criminal, com caso submetido ao Judiciário, o responsável será quem incorreu no ilícito, e o juiz da causa precisará nortear e fundamentar sua decisão nas regras de trânsito.
Marcelo José Araújo, advogado e professor de Direito de Trânsito, é presidente da Comissão de Trânsito, Transporte e Mobilidade da OAB/PR.
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