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Carlos Ramalhete

Caminhões fora da lei

Poucas coisas têm menos chance de funcionar direito que leis feitas em gabinetes acarpetados para regular a vida de quem está no mundo real. Um exemplo claro disso nos foi dado nesta semana, com os protestos de caminhoneiros que paralisaram várias estradas do país e causaram problemas de desabastecimento em muitos lugares.

A razão do justíssimo protesto foi uma dessas leis feitas por gente que vive em outro planeta. A nova lei, entre outros absurdos, exige que haja uma parada de meia hora após cada quatro horas de viagem. Ora, ao contrário do que ocorre com trabalhos de gabinete, toda a movimentação de um caminhão é registrada pelo tacógrafo. Em termos práticos, a aplicação desta lei significaria que ou bem o caminhoneiro para onde estiver – numa serra sem acostamento, num lugar onde o roubo de carga é comum etc. – ou a violação fica registrada no tacógrafo, deixando-o exposto à punição legal a qualquer momento.

Os policiais desonestos – e sabemos todos que, infelizmente, eles existem –, ao parar um caminhão, já teriam no tacógrafo um instrumento para achacar o motorista. Afinal, uma lei impossível não pode ser cumprida. Todo tacógrafo registraria inúmeras violações.

Com o pretexto de proteger os caminhoneiros, a lei os vitima ainda mais, como aliás costuma acontecer com a legislação brasileira. A diferença é que neste caso a lei não é para inglês ver, justamente por causa do bendito tacógrafo.

A exploração dos caminhoneiros ocorre não por falta de leis, mas por termos um modelo de transportes absolutamente ineficiente, baseado em rodovias. Cargas pesadíssimas são levadas de caminhão de uma ponta a outra do país, sempre em regime de urgência e a alto custo, enquanto os trilhos das ferrovias implantadas pelo Império enferrujam ou servem exclusivamente para o transporte de cargas de uma ou outra empresa.

Políticos inventam trens-bala para carregar passageiros com medo de avião e duplicam rodovias, como se o problema fosse o excesso de carros de passeio.

Esta paralisação, assim, pode trazer duas boas consequências: a revogação, ou ao menos a mitigação, desta lei absurda; e um alerta quanto à necessidade de diversificar os sistemas de transporte, tornando-os menos dependentes da malha viária e, assim, realmente diminuindo a exploração dos caminhoneiros.

O único problema é que ferrovia não dá voto; afinal, não dá para jogar uma capinha de asfalto por cima dos trilhos antes da eleição. No Brasil, temos candidatos ao poder e candidatos no poder, mas nos faltam estadistas.

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