A relação do Conservadorismo com o tempo é um elemento essencial para compreendermos a distinção entre conservador, reacionário, imobilista, progressista, revolucionário. Os Saquaremas, Conservadores brasileiros do século 19, reconheciam as dimensões, nuances e desafios dos diferentes momentos históricos. Eram profundamente vinculados ao presente, que pretendiam ajudar a construir e a reformar da maneira mais adequada. Para isso, valorizavam o passado como instrumento de aprendizado e como fundamento daquilo que Edmund Burke definiu como a associação entre os vivos, os mortos e os que estão por nascer. É por meio do aprendizado com o passado e da ligação com o presente que os Conservadores ajudam a construir o futuro, adaptando “o antigo ao novo, sem destruir o antigo, nem negar o novo”.
Os Saquaremas não idealizavam nem negavam o passado sob a justificativa de ser este fonte de ignorância e de equívocos, assim como o fazem os progressistas e os revolucionários. Por definirem o futuro utópico como único horizonte e fonte de julgamento do passado e do presente, ambos veem o novo, a novidade, o que está por vir, como fundamento de sua teleologia escatológica.
Assim, para progressistas e revolucionários, o passado é a mácula a ser apagada e o presente é apenas o interregno transitório a ser superado com o advento do futuro glorioso. Essa percepção sobre o tempo define uma ética segundo a qual tudo é permitido para que o objetivo supremo vindouro seja atingido. No caso dos revolucionários, a escolha é eliminar tudo o que foi realizado até então para inaugurar a grande novidade. Dois exemplos notáveis foram as revoluções francesa (1789-1799) e russa (1917).
Os reacionários e os imobilistas, por sua vez, rejeitam o presente e negam o futuro. Porque querem retomar um passado idealizado, recusam-se a reformar. Pois a reforma significaria a aceitação das mudanças inevitáveis que ocorreram - para o bem e para o mal. Ambos pretendem que o passado seja preservado no presente e no futuro. E assim partilham uma utopia distinta daquela alimentada por progressistas e revolucionários.
É tão interessante e rica, por isso, a posição dos Saquaremas em relação às reformas resumida por João Camilo de Oliveira Torres em Os Construtores do Império – Ideais e lutas do Partido Conservador Brasileiro: “O princípio central é: somente podemos conservar reformando”. A reforma é, portanto, o instrumento utilizado pelos Conservadores para aprimorar o presente de acordo com as mudanças inevitáveis e com a maior complexidade da vida em sociedade. É um esforço para preservar as coisas permanentes e benéficas que são importantes para as pessoas e permitem uma vida boa.
Para que não rompa “a continuidade entre o passado, o presente e o futuro”, João Camilo afirma que as reformas conduzidas ou apoiadas pelos Conservadores devem “obedecer fielmente aos princípios tradicionais” e que uma reforma verdadeira jamais modifica as estruturas essenciais de “um ser preexistente”.
Creio que haja um equívoco nessa formulação, que engessa o Conservadorismo que o autor expõe em sua própria obra. Porque, na prática, as reformas Conservadoras são orientadas pela tradição, mas também pelas circunstâncias e necessidades do presente. Pois a reforma é, antes de tudo, fruto de “um processo de cautelosa adaptação do existente às novas condições”. Além disso, há mudanças que, efetivamente, eliminam ou modificam as estruturas essenciais de “um ser preexistente”. Isso aconteceu, por exemplo, com a abolição da escravatura em 1889 conduzida por um Gabinete Conservador.
João Camilo estava correto ao escrever que “quando uma reforma se impõe para evitar a revolução, o Conservador pode tomar a iniciativa” e que, “feita a reforma, o conservador a aceita, adaptando-a às condições preexistentes, consagra-a”. Porém, ao afirmar que “os conservadores, habitualmente, não começam as reformas” parece converter em regra antes uma posição do que a experiência prática.
No Brasil e na Inglaterra, os Conservadores foram protagonistas de importantes reformas sociais. Saquaremas e Tories consagraram, naturalizaram e referiram “aos valores tradicionais as reformas” que eles e os outros fizeram. E também ajudaram o povo a se acostumar com as mudanças, “tirando-lhes o tom de agressiva novidade”.
(Continua na próxima semana)