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Ainda lembro com alegria intelectual a descoberta do filósofo político Michael Oakeshott, em 2004. Foi em um artigo de João Pereira Coutinho, doutor em Ciência Política e colunista da Folha de S.Paulo, publicado no seu primeiro livro de crônicas lançado em Portugal, o Vida Independente.

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João citou em seu artigo o célebre ensaio Rationalism in Politics. Li, gostei, estudei. Oakeshott tornou-se, assim, uma grande influência. Foi nesse texto que descobri que o núcleo do pensamento político do professor inglês era a antípoda ao racionalismo moderno na política. Sua obra, portanto, apresentava e criticava a política de perfeição e o seu produto, a política de uniformização. Seus ensaios mostravam os equívocos e os reflexos do credo racionalista dogmático, que acredita piamente na existência de uma solução política racional e perfeita para todo e qualquer tipo de problema. E que transformou o século 20 na arena para o grande embate entre a política de fé e a política de ceticismo.

A tese de Oakeshott sobre o “racionalismo na política”, uma racionalidade moderna e dogmática, explica o dogmatismo racionalista segundo o qual é possível modificar a natureza humana para aperfeiçoá-la e, assim, redimir a condição do homem através de um projeto de poder ideológico e político.

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Inexiste um único remédio universal para todas as doenças políticas

A ação política racionalista é, segundo Oakeshott, uma expressão da política de fé – esta que considera que para todo e qualquer problema haverá uma única solução racional e esta será a melhor de todas (o filósofo político Isaiah Berlin usou proposições semelhantes para definir um dos tipos de utopia).

Esse tipo de racionalista acredita que a natureza humana é perfectível e passível de ser uniformizada. Sendo uma política de perfeição, a política de fé conduz necessariamente a uma política de padronização da sociedade. E, por isso, o racionalista rejeita a diversidade porque a entende como inimiga do utópico projeto de uniformização.

O contraponto da política de fé é a política de ceticismo, que Oakeshott definia como o reconhecimento de que, se o homem é imperfeito, não será possível construir por qualquer meio – e sobretudo pela política – uma sociedade perfeita.

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Ao identificar essas dimensões do racionalismo na política, Oakeshott avalizou a adequação da tese contrária, ou seja, a de que inexiste um único remédio universal para todas as doenças políticas. E que é preferível haver escolhas que não sejam dogmaticamente racionalistas porque todas estas necessariamente coincidem – coincidência esta que é, no caso da atividade política, “reconhecida como a imposição de uma condição uniforme de perfeição sobre a conduta humana”.

No mesmo ensaio, Oakeshott observou que a história moderna da Europa foi permeada por projetos de racionalismo político caracterizados por tentativas de, por meio de engenharia social, “emancipar a raça humana da ignorância, da pobreza, da divisão, do pecado e da miséria”, de criar um poder que pudesse ser “tão grandioso quanto capaz de controlar todos os outros poderes no mundo” e de impor uma “disposição comum para acreditar que a engrenagem política pode substituir a educação moral e política”.

Exemplos de projetos racionalistas são, segundo Oakeshott, a ideia de fundar uma sociedade baseada em declarações universais ou a de elevar questões raciais a princípios universais. No Brasil, o racionalismo dogmático tem se desenvolvido de maneira gradual e cada vez mais perigosa. Os racionalistas têm usado a democracia para aparelhar o Estado, drenar os recursos para os partidos que os representam e para controlar a cultura e as instituições políticas.

A obra de Oakeshott, que carece de traduções no Brasil, seria um qualificado instrumento teórico para nos ajudar a entender e a combater esses inimigos não só das liberdades, mas da própria humanidade.