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Bruno Garschagen

Não há memória histórica com apenas um lado da história

Participei recentemente de um seminário sobre política de direitos humanos baseado no Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos. O painel para o qual fui convidado a debater tinha como tema o “Direito à Memória e à Verdade”. O outro debatedor seria Francisco Celso Calmon, que na década de 1960 foi membro da Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-Palmares), organização político-militar cujo objetivo era promover uma revolução socialista no Brasil mediante atos criminosos e terroristas. Para realizar seu intento, seus membros roubaram, sequestraram e mataram. Como se pode perceber, Calmon era a pessoa mais adequada para falar sobre direitos humanos.

Mas ele não apareceu (alegou um imprevisto) e eu fiz a minha apresentação ao lado de um padre comunista, uma caricatura do padre de passeata que Nelson Rodrigues dizia estar a serviço do ódio, uma espécie de dom Helder Câmara tardio que defendia veladamente “a aliança do marxismo e do cristianismo”. Pois o tal padre comunista, que já deveria ter sido excomungado pela Igreja, encerrou a sua intervenção dizendo que o impeachment de Dilma Rousseff era golpe. Golpe é padre comunista.

Pois o tal padre comunista, que já deveria ter sido excomungado pela Igreja, encerrou a sua intervenção dizendo que o impeachment de Dilma Rousseff era golpe. Golpe é padre comunista.

O painel “Direito à Memória e à Verdade” – assim como o PNDH-3 - tinha o seu viés ideológico muito bem definido ao defender “a apuração e o esclarecimento público das violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política ocorrida no Brasil”, pois limitados, apuração e esclarecimento, aos atos cometidos por militares e civis a serviço do regime militar.

O que se pretende, portanto, não é buscar a verdade, mas criar uma narrativa fundamentada exclusivamente nos relatos e nas histórias contadas pelos terroristas e por todos aqueles envolvidos com grupos e partidos socialistas e comunistas. Isso não é produzir uma memória histórica, mas sedimentar uma narrativa ideológica.

É equivocado, inclusive, converter a apuração da verdade dos fatos em um direito. Conhecer e analisar o que aconteceu no passado é dever de qualquer sociedade civilizada. E se é dever, não cabe exclusivamente ao Estado, mas aos cidadãos. A sociedade, portanto, tem o dever de saber o que aconteceu com todos aqueles que denunciaram a tortura cometida por agentes do governo, quem e quantos foram torturados e mortos, por quem e a mando de quem – até para verificar a veracidade do que aconteceu e com quem. Uma parte da memória produzida até agora está embaçada porque carece de confirmação, que exige cotejamento e análise das informações coletadas.

Assim como a sociedade tem o dever de saber de que forma agiram os agentes do Estado envolvidos no combate aos grupos que pretendiam fazer uma revolução socialista no Brasil, também tem o dever de saber o que fizeram os membros de organizações terroristas como a VAR-Palmares.

Temos o dever de saber os nomes dos integrantes dessas organizações, quem e o que eles roubaram, o que fizeram com o dinheiro, quem eles sequestraram e torturaram, quantas pessoas eles mataram (e seus nomes). A sociedade tem o dever de saber o que fez cada um dos terroristas e dos socialistas que não participaram da luta armada durante o exílio em outros países e por quem foram financiados no Brasil e no exterior.

A sociedade tem ainda o dever de saber que a luta armada era um projeto de ação política que visava combater o sistema existente no Brasil antes mesmo de 1964 e que, portanto, não foi realizada como reação à ditadura. Quem afirmou isso no livro A revolução faltou ao encontro – Os comunistas no Brasil foi Daniel Aarão Reis Filho, ex-integrante do grupo terrorista Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), que sequestrou o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick, em setembro de 1969.

Só assim poderemos, de fato, construir uma memória histórica que não esteja corrompida pela ideologia e pela parcialidade dos seus protagonistas. Apurar a verdade do passado é fundamental para extrairmos as devidas lições e não cometermos os mesmos erros. Não há memória histórica com apenas um lado da história.

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