No fim dos anos 1920, René Magritte apresentou um quadro que ficou famoso por negar aquilo que mostrava. A traição das imagens exibia o desenho de um cachimbo com a afirmação “isto não é um cachimbo”. Ao negar que o cachimbo fosse um cachimbo, o pintor mostrava que a representação da coisa não era a própria coisa.
A reação dos petistas e dos coronéis da esquerda à apresentação da denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada foi simbólica da ironia representada no quadro de Magritte. Diante da acusação de que Lula era o comandante do “esquema delituoso de desvio de recursos públicos”, a esquerdalha pinçou duas palavras (“convicção” e “provas”) de dois procuradores diferentes para forjar uma frase mentirosa que representasse uma coisa (a inocência de Lula por ausência de provas) para negar a própria coisa (a acusação dos crimes cometidos por Lula).
Na falta de argumentos para rechaçar a denúncia, os petistas aplicaram a técnica do cachimbo
Você deve ter acompanhado a história: o procurador Deltan Dallagnol afirmou, em sua apresentação, que “provas são pedaços da realidade, que geram convicção sobre um determinado fato ou hipótese”. Em seguida, em resposta aos jornalistas, disse que “dentro das evidências que nós coletamos, a nossa convicção, com base em tudo que nos expusemos, é que Lula continuou tendo proeminência nesse esquema, continuou sendo líder nesse esquema mesmo depois dele ter saído do governo”.
Depois, ao apresentar sua parte, o procurador Roberson Pozzobon explicou que, “em se tratando da lavagem de dinheiro, ou seja, em se tratando de uma tentativa de manter as aparências de licitude, não teremos aqui provas cabais de que Lula é o efetivo proprietário no papel do apartamento, pois justamente o fato de ele não figurar como proprietário do tríplex, da cobertura em Guarujá, é uma forma de ocultação, dissimulação da verdadeira propriedade”.
Duas falas distintas, sobre crimes distintos, com o uso de palavras distintas foram convertidas no mantra “não temos provas, mas temos convicção”. Na falta de argumentos para rechaçar a denúncia, os petistas aplicaram a técnica do cachimbo: “isto não demonstra o crime”.
No dia da apresentação dos procuradores, o repórter do BuzzFeed Brasil Alexandre Aragão foi ligeiro ao descobrir a origem por trás da frase que ganhou as redes sociais: o site esquerdista Conexão Jornalismo, que usou aspas de forma malandra no título do texto “Não temos como provar. Mas temos convicção” para criar a impressão de que era uma frase dita por um dos procuradores. Em seguida, a frase e suas derivações viralizaram nas redes sociais.
Iniciou-se a partir daí a segunda Batalha das Toninhas. A denúncia passou a ser atacada não pelo seu conteúdo, mas pela suposta ausência de provas. Uma grave acusação jurídica foi convertida em instrumento de perseguição política.
O publicitário Alexandre Borges, articulista da Gazeta do Povo, não cansa de alertar para a necessidade de se investigar a verdade “toda vez que a imprensa e as redes sociais forem invadidas por um tsunami de hashtags e textões engajados”. Por qual razão? Porque “a mentira e a gritaria histérica viraram armas extremamente eficientes da luta política num mundo hiperativo, à beira de um ataque de nervos e sem tempo para pensar”. E assim muita gente se torna instrumento útil de uma causa infame.
Se no quadro de Magritte o objeto não é um cachimbo, na guerra ideológica no Brasil, a toninha não é um golfinho.
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