A medida provisória nº 700, publicada pelo governo federal em dezembro do ano passado, introduziu mudanças no processo da chamada desapropriação de imóveis, ou seja, da aquisição de terrenos de particulares pelo poder público por meio de regras mais favoráveis ao interesse público.
Explica-se, em regra o proprietário de um imóvel somente vende seu patrimônio se quiser, e pelo preço que quiser. Trata-se da negociação livre de compra e venda. Mas, se o imóvel for considerado de interesse público para alguma finalidade, como, por exemplo, a construção de uma escola, a ampliação de uma rodovia ou a abertura de uma praça, o imóvel poderá ser desapropriado.
Quando os donos da cidade querem, o morador não tem escolha
Nesse caso, o proprietário é obrigado a vender seu imóvel para o poder público, sendo assegurado o preço justo que, muitas vezes, é menos do que o proprietário esperaria receber, mas é o que a lei determina.
A MP 700 propõe algumas mudanças positivas no processo de desapropriação, que diminuem a possibilidade de algumas manobras que eram feitas pelo poder público em favorecimento ao particular. Entretanto, outras mudanças introduzidas por essa medida provisória serão ser desastrosas.
De acordo com a nova medida provisória, empresas particulares poderiam realizar os procedimentos para a desapropriação de imóveis, depois da decretação do interesse público. Assim, uma empresa particular poderia ser responsável pelas avaliações, indenizações e até mesmo o despejo do imóvel.
Antes, apenas o poder público, pela administração direta, prefeituras, governos estaduais e governo federal, é que tinham o poder para realizar essas ações.
Mas isso não é tudo. Nas novas regras, uma desapropriação pode ser decretada em áreas maiores do que a área necessária para a obra de interesse público. E na área desapropriada remanescente da obra pública a empresa particular poderá realizar o empreendimento que quiser, com finalidade lucrativa inclusive.
Ou seja, uma empresa pode ser designada para realizar uma desapropriação para obras públicas e aproveitar a oportunidade para fazer um shopping ou empreendimentos imobiliários. Tudo com as vantagens da desapropriação, ou seja, os proprietários da área desapropriada não teriam escolha ou possibilidade de negociação com o shopping. Seriam obrigados a sair e aceitar o valor da indenização que a justiça estabelecer.
Podemos reconhecer que, na prática, isso já acontece hoje, afinal, as pessoas vivem nas cidades com graus de garantias e segurança diferentes. Há quem tenha total garantia de nunca ser perturbado na sua moradia. Caso o poder público queira desapropriá-lo, terá os melhores advogados e a justiça mais compreensível na proteção de seus direitos patrimoniais.
Mas também há quem não tenha garantia alguma. Vivendo em áreas sem registro de propriedade e visadas pelo mercado imobiliário. Nesses casos, quando os donos da cidade querem, o morador não tem escolha. É obrigado a sair e muitas vezes sem nenhuma indenização.
E mesmo sem as mudanças provocadas pela medida provisória, outras leis vigentes já permitem que obras públicas combinadas com interesses privados provoquem a expulsão de pessoas de suas moradias de forma absolutamente imoral e injusta.
Mesmo assim, é grave que ainda avancem mudanças que possam piorar esse cenário. A medida provisória 700 terá que ser aprovada até o dia 17 de maio, senão perderá seus efeitos. O texto está no senado e tramita rapidamente. Enquanto isso, medidas que possam garantir políticas públicas para moradias ficam paradas ou arquivadas.
Poderia haver uma medida provisória que ampliasse as garantias das populações ameaçadas de despejo, que aumentasse o poder das pessoas contra as ameaças da especulação imobiliária ou que proibisse certas intervenções quando os moradores da região afetada não concordassem.
Mas que ilusão é essa de achar que as cidades são das pessoas. Como vemos, as cidades são dos donos do capital e da especulação imobiliária dos shoppings e condomínios. Falta muito para as cidades serem democráticas, e a medida provisória 700 deixa todo mundo mais longe disso.