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A noção de liberdade ainda carece de melhor definição. Como disse Cecília Meireles sobre essa palavra: “não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda”. Por cativar o sonho da humanidade, falar em liberdade invariavelmente mobiliza expectativas. Por isso, não deve ser pronunciada em vão.

Ao ler o artigo “Propriedade privada: a essência da liberdade”, do empresário Edson José Ramon, compreende-se que a intenção do autor foi defender a importância da propriedade privada, mas não se percebe em que ponto ela encontra a vaga “essência da liberdade”.

Existem contextos em que a propriedade privada é oposta à liberdade e à dignidade humana, como na escravidão. É reducionismo afirmar que a defesa da propriedade privada é a essência da liberdade, ainda mais partindo das lamúrias dos latifundiários do agronegócio, privilegiados na injusta distribuição de terras no Brasil.

Em uma sociedade desigual, não faz sentido pregar a defesa cega da propriedade

O desenvolvimento da propriedade privada na Inglaterra também é contraditório: os “cercamentos”, que consistiram na delimitação de propriedades privadas de terras a partir do século 16, resultavam na erradicação de grandes “áreas comuns”, exploradas de forma comunitária por camponeses, expropriados à força de suas terras tradicionais.

Mesmo assim, é possível concordar que, em algum sentido, a propriedade pode ser exaltada. No seu significado moderno, a propriedade privada é o principal fruto do trabalho. Por exemplo, o economista Adam Smith enaltece, em seu livro A riqueza das nações, a importância do trabalho para o enriquecimento de uma sociedade, e critica a riqueza medida pelo ouro por não ser baseada no trabalho. Trata-se de uma ideia revolucionária que enfrentou a noção antiga de que a riqueza resultava do sobrenome e do sangue azul dos nobres e aristocratas que viviam de heranças. Em nome dessa ideia, reis foram depostos e a riqueza dos aristocratas, ameaçada.

Sob essa perspectiva, a propriedade pertenceria a todos os que trabalhassem. No entanto, notou-se que a transformação foi incompleta: aqueles que mais trabalham têm menos riqueza, enquanto a minoria de proprietários que vivem do trabalho dos outros enriquece. É como se os traços da aristocracia e da nobreza continuassem presentes.

Em janeiro deste ano foi divulgado um relatório que apontou que o 1% mais rico da população global possui a mesma riqueza dos 99% restantes (62 bilionários têm patrimônio igual ao de metade da população global). A constatação é surpreendente, sobretudo porque essa concentração de riqueza tem aumentado todos os anos, revelando a falência das políticas de promoção da igualdade.

A propriedade, resultado do trabalho de cada um, deveria ser um direito assegurado a todos. A segurança de poder viver em uma moradia própria, sem ameaça de despejo, teria de ser universal, assim como o direito de um pequeno agricultor a ter sua terra para plantar. Para isso, é necessário ter igualdade. Em uma sociedade desigual, não faz sentido pregar a defesa cega da propriedade. Nesse caso, propriedade é privilégio.

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