Quando o Brasil iniciou os investimentos ferroviários, ainda no reinado de dom Pedro II, a ideia da ferrovia como desenvolvimento nacional ficava apenas na propaganda. Os investimentos ferroviários em nosso país foram utilizados principalmente como forma de endividamento com a Inglaterra, que havia incentivado a independência brasileira e então cobrava a sua fatura, e como fator de domínio territorial.
Isso porque os investimentos ferroviários brasileiros do século 19 e início do século 20, além de demandarem recursos oriundos de empréstimos externos, eram planejados não para conectar territórios e transportar mercadorias, e sim para avançar sobre terras ainda não exploradas, garantindo a extração de madeira nativa e a colonização de terras sobre áreas antes ocupadas por índios e caboclos.
O interesse em explorar a madeira fazia com que as ferrovias tivessem traçados mais sinuosos que o necessário, garantindo que a estrada alcançasse a maior área possível, permitindo a exploração de mais madeira. Além da madeira extraída no traçado da ferrovia, o governo autorizava que as construtoras explorassem uma faixa de quilômetros de distância para cada lado da estrada. Em síntese, as empresas ganhavam mais dinheiro com a madeira que com a própria ferrovia, fazendo dessa atividade um negócio muito lucrativo, com graves danos ao patrimônio nacional.
O investimento nesse tipo de modal é uma escolha pela sustentabilidade
A partir da década de 1930, os investimentos ferroviários foram estatizados, reduzindo a presença das empresas privadas nesse setor. A estatização teria sido um fator favorável ao planejamento das estradas de ferro, que, sem a influência dos madeireiros, poderia resultar em conexões de transporte em vez de representarem ganhos extraordinários aos construtores. Entretanto, já nos anos 40 a indústria automobilística propõe a prioridade nos investimentos rodoviários, com o objetivo de criar a demanda para a utilização dos automóveis.
Assim, na segunda metade do século 20, os investimentos em estradas se sobrepuseram aos investimentos ferroviários. A partir das privatizações das ferrovias na década de 1990, a situação das ferrovias piorou. Em alguns casos, as ferrovias foram assumidas por empresas interessadas no próprio fechamento de ramais ferroviários, o que freou os investimentos no setor.
A contração no setor ferroviário não é uma realidade apenas brasileira. Na própria Europa a utilização do modal de transporte por trens retraiu especialmente a partir dos anos 90, como resultado da política de privatizações no setor. No entanto, a partir de 2008, os investimentos em ferrovias foram retomados na Europa, como uma resposta à crise econômica.
No Brasil, o transporte ferroviário merece mais investimentos. Recentemente, têm surgido iniciativas em defesa do transporte sobre trilhos, como a Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente), uma organização não governamental que defende a ampliação do uso dos trens.
A conjuntura exige mudanças: convivemos com a franca decadência da indústria automobilística. Com reduções dramáticas nas vendas, que chegam a 30%, as montadoras têm acumulado carros nos pátios e ameaçam demitir trabalhadores. Certamente, ainda haverá fábricas de automóveis, mas os recordes de vendas talvez fiquem no passado. Por isso, o país precisa desenvolver outros setores industriais que possam fortalecer a economia.
O setor ferroviário pode ter um longo futuro no transporte brasileiro, uma vez que há muito para ser investido no transporte por trens, seja em grandes distâncias, seja nas cidades, com modais como o metrô. Além disso, o investimento nesse tipo de modal é uma escolha pela sustentabilidade: com novas tecnologias, o transporte sobre trilhos é muito menos poluente e mais barato que o transporte rodoviário, podendo ser um fator de redução dos custos dos serviços e de preservação do meio ambiente. Acredito que uma das saídas da crise é pelas ferrovias.