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Semana passada foi aprovado um Estatuto da Família numa comissão da Câmara dos Deputados. Como sempre, foi uma grita danada, com um lado achando que é isso mesmo e o outro achando que está tudo errado. A questão principal, contudo, passou desapercebida: o que cargas d’água o Congresso Nacional acha que é, para querer-se definidor da família?!

Ora, a família é anterior ao Congresso em tudo. Ontologicamente, moralmente, temporalmente; o Congresso é o subproduto do subproduto do subproduto da família. Um Estatuto da Família fabricado em laboratório pelo Congresso é algo tão delirantemente arrogante quanto seria uma definição de heroísmo dada pela proverbial mosca do cocô do cavalo do bandido.

A família é parte da natureza humana. Em qualquer lugar, em qualquer tempo, em qualquer sociedade – ou, melhor dizendo, na origem de toda sociedade – encontramos o mesmo fenômeno, pelo qual um rapaz e uma moça abandonam seus pais e vão ter filhos e criá-los, numa dança estilizada cujos passos estão inscritos no nosso coração. Na falta disto ou como versão grandiloquente, seja por que motivo for, criamos sucedâneos enfraquecidos dela em escala maior. Fazemos sociedades comerciais, militares, de amizade, círculos de estudos, associações de bairro, milícias, congressos nacionais.

É a família que poderia fazer um estatuto dos políticos, não o contrário

Um congresso nacional é um sucedâneo empobrecido de família, que visa dar à união de todas as famílias de um dado território um simulacro de festa de Natal permanente em que conversam sobre a vida e os assuntos que a todos atingem. Coisa boa e saudável, desde que se mantenha no seu lugar e não se arvore em origem da ordem social.

A ordem social vem das associações feitas livremente pelos cidadãos, das quais a primeira e a mais básica, aquela na qual a sociedade perpetua-se não só no espaço, mas no tempo das sucessivas gerações, é e não tem como deixar de ser a família. Mesmo uma família disfuncional, mesmo uma família parcialmente desfeita ou improvisada no amor e na necessidade de apoio mútuo; mesmo uma família que só o é por analogia, na ordem das coisas, ainda é infinitamente mais importante que o Congresso com seus carrões de placas especiais e seus quilômetros de corredores acarpetados.

O tapete que importa é aquele carpetinho ralo na porta da casinha onde as gerações futuras estão transitando do útero à sociedade produtiva, não o tapete vermelho ou persa por que circulam os que se querem poderosos. Seu poder não existe: poder verdadeiro quem tem é a mãe com um chinelo na mão, o pai que levanta uma sobrancelha, ou mesmo o filhinho a quem o gato segue atrás de ração.

É a família que poderia fazer um estatuto dos políticos, não o contrário. Mas ela tem coisas mais importantes com que se preocupar.

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