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Cativos da Europa

“Não molestarás nem afligirás o estrangeiro, porque também vós fostes estrangeiros na terra do Egito” (Ex 22,21). Este texto-base da civilização que edificou a Europa está agora sendo posto à prova; uma dura prova, porque não se trata de um ou dois refugiados, mas de multidões inumeráveis, de centenas de milhares de desesperados vindo bater às portas das antigas potências coloniais em números suficientes para fazer parecer piada qualquer possibilidade de assimilação nas decadentes sociedades de bem-estar social da Europa ocidental.

Para dificultar ainda mais a busca europeia de soluções – além do evidente, já lembrado pelo papa: dar de comer a quem tem fome, vestir os desnudos, dar água a quem tem sede –, a maioria dos estrangeiros que chegam é de muçulmanos a fugir de muçulmanos ainda mais radicais. Uma numerosa minoria é composta de cristãos de ritos orientais, culturalmente mais próximos dos muçulmanos que dos europeus materialistas hodiernos. São afegãos que fogem do Talibã, sírios que fogem do Estado Islâmico, líbios e egípcios que fogem das milícias wahabitas, todos aglomerando-se desesperados às portas da Europa, após a paz precária de suas sociedades ter sido demolida pela intervenção americana, com ou sem o quase simbólico auxílio da Otan.

No fim desta Europa, quem chega são os que foram seus cativos, expulsos de casa pelos filhos dela. Eles trazem culturas e visões de mundo completamente incompatíveis com as europeias de hoje, e seu próprio número impede sua assimilação

Os ditadores que protegiam as religiões minoritárias por verem no extremismo wahabita um perigo à própria autoridade, como Saddam Hussein, Muamar Kadafi e Hosni Mubarak, foram defenestrados; no seu lugar ficou o caos que tanto interessa ao que Eisenhower batizou de “complexo industrial-militar” americano. Armas americanas fragilizaram o presidente da Síria, que, por pertencer a uma seita minoritária (os alauítas, muçulmanos trinitários), servia de baluarte contra a dominação wahabita financiada pelos sauditas, aliados de Washington.

A Europa dominara militar e politicamente por algumas décadas os territórios de origem dos refugiados, assumindo então uma responsabilidade paterna ineludível: “tu te tornas responsável por aquele que cativas”, já dizia a raposinha. Para complicar, o touro solto na loja de louças da região – os EUA – é mais que um ex-cativo da Europa moderna: é seu filho direto. A modernidade que fundou os EUA, mas conservou a alteridade das colônias e protetorados muçulmanos, agora tem de lidar com as consequências de seus atos.

No fim do Império Romano, chegaram os povos de logo além das fronteiras. No fim desta Europa, quem chega são os que foram seus cativos, expulsos de casa pelos filhos dela. Eles trazem culturas e visões de mundo completamente incompatíveis com as europeias de hoje, e seu próprio número impede sua assimilação. Disso surgirá uma Europa tão diversa da do século passado quanto a Roma dos papas o foi da dos césares.

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