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Carlos Ramalhete

Dar de mamar

 | Kiko Sierich/Gazeta do Povo
(Foto: Kiko Sierich/Gazeta do Povo)

Não existe nada mais bonito que uma mocinha dando de mamar a seu neném. É uma cena tão bela que o próprio Deus quis fazer-Se parte dela, e uma cena tão carregada de simbolismos – todos positivos – que fechar-se a ela acaba sendo sinônimo de fechar-se à vida. Assim como as gerações que se sucedem passam às seguintes todas as conquistas do conhecimento humano, a mãe passa ao filho que aleita algo de seu próprio ser, para que ele cresça forte e saudável. Ela dá dela mesma, o que é o sentido verdadeiro do amor.

Uma mocinha aleitando seu filhinho é o amor em forma de pessoinhas, ali, diante de nós. É por isso que as reações são sempre proporcionais ao significado simbólico, não ao fenômeno material. Materialmente, não deveria haver diferença entre a amamentação de um neném e a de um animalzinho qualquer. Mas há, e como há! Há naquilo algo de animal, certamente, mas de animal domado, ou mesmo transfigurado. Há algo de angélico na amamentação de um bebezinho.

Há algo de angélico na amamentação de um bebezinho

Esta cena é sobretudo a ilustração mais clara da sucessão das gerações, da vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio, da beleza sobre a feiura. Negá-lo, vê-la como algo de alguma forma mau, indica uma vitória da maldade sobre a bondade dentro do coração daquele que a julga. No estágio atual de decadência terminal da cultura ocidental, tenta-se erigir uma muralha antinatural entre o sexo e a reprodução. Tenta-se fazer dos seios brinquedos de adolescentes, não mais as mamadeiras mágicas que fazem do bebê recém-nascido um menininho forte a correr. Ora, isso é impossível. Esta é a natureza do homem: capaz de, vivendo quotidianamente um milagre, negá-lo em prol de alguma besteira da moda. De alguma perversão oriunda de uma postura antivida, que tenta trancar em um hospital todos os fenômenos necessários à reprodução humana, medicalizada como se fora uma doença.

Nascer não é um ato médico, como não o é morrer, ser amamentado, respirar ou mesmo – e principalmente – gerar uma nova vida. Tudo isso faz parte do mesmo mecanismo belíssimo pelo qual a espécie humana se perpetua, repetindo geração após geração os mesmos enganos e desenganos, os mesmos rituais amorosos e carinhosos. Dentre eles, não há maior que a amamentação. Um casalzinho andando de mãos dadas é lindo. Um casal de idosos ainda de mãos dadas é lindíssimo. Mas numa mocinha e seu neném, naquele momento mágico – e tantas vezes repetido, mas jamais barateado – em que ela dá de si para nutri-lo, temos a quintessência de tudo isso: temos a vida humana em todo o seu esplendor de culpa e de inocência, de amor e de ciúmes, de egoísmo e caridade paroxística.

Ela é, naquele momento, todas as mães. E o menino é toda a vida, que se perpetua e continua além.

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