Sempre fiquei espantado com isso de se dizer que a religião é fruto dos terrores da natureza. Aquela velha história de que o Og ficava apavorado na sua caverna ao ver uma tempestade de raios e passava a tentar aplacar a ira de uma divindade, que ele mesmo teria criado, para fazer com que os raios parassem.

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Ora, tempestades de raios são magníficas! Vistas do interior quente e seco de uma caverna com uma fogueira acesa, então, são a primeira inspiração das queimas de fogos com que hoje comemoramos grandes datas festivas. E nem precisa tanto: também é lindo um vale que se contempla ao amanhecer, com a bruma se esgarçando lentamente à medida que o sol se levanta. Também é linda uma árvore, uma flor, um beija-flor que a beija, um beijo que um jovem casal troca numa ponte, as nuvens, a neve, o sol, a chuva.

A gratidão é a fonte e a prova da nossa sanidade

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Há muito mais razões para gratidão que para terror, e é muito mais lógico procurar quem nos deu de presente tamanha beleza e tamanha alegria que olhar assustado para os lados, em busca de um divino culpado para os medos que nos assolam. Os medos são nossos, plenamente nossos. Nós é que os criamos, nós é que os temos – e isso quando não são eles que nos têm, que nos dominam como um gato domina um camundongo que vai comer.

O que haverá do outro lado daquela árvore? Um tigre-de-dentes-de-sabre, uma colmeia cheia de mel ou um campo de relva macia para descansar um pouco? O que quer que seja já está lá. Termos ou não termos medo, ficar paranoicamente temendo que seja o pior, morrendo de véspera como um peru de Natal, isso, sim, é criatura nossa. O medo é nosso; a surpresa que venha a nos aguardar independe das nossas expectativas e apreensões.

Também é nossa a gratidão, que é uma resposta muito mais natural e saudável do que a paranoica apreensão permanente que hoje em dia é celebrada sob o nome de estresse. É natural e saudável olhar em volta perguntando-se a quem agradecer por tantas criaturas admiráveis; tenho pena dos pobres ateus, que devem ter de engolir a gratidão como uma criança engole o choro para não passar pela vergonha de ser grato ao acaso. Ou, antes, ao todo poderoso Acaso personificado.

Um Acaso personificado é muito mais aterrador que um Criador que nos tenha dado a missão de cuidar de tão belo universo. Do Acaso tudo se pode esperar; o oxigênio do ar pode transformar-se em metano sem a intermediação da batata-doce. Já de um Criador amável espera-se antes a beleza, a previsibilidade que torna possível o estudo científico da natureza, a surpresa contida entre os males conhecidos e os bens infinitos – entre o tigre-de-dentes-de-sabre e a descoberta de uma deliciosa fruta madura que antes não conhecíamos.

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A gratidão é a fonte e a prova da nossa sanidade.