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É uma mania brasileira recorrente tentar importar soluções americanas para problemas americanos, sem perceber que com isso o que se faz é importar um problema a mais para somar-se aos que já tínhamos. Frequentemente isto é tornado ainda pior pela distorção ideológica que costuma envolver todo o processo.

Um triste exemplo é a transformação da campanha americana de conscientização acerca da existência de doenças mentais na nefanda “Luta Antimanicomial” tupiniquim, que teve ontem seu dia oficial. No Brasil, as pessoas com problemas mentais nunca foram escondidas, como nos EUA; nunca tivemos aqui nada sequer equivalente ao horrendo hábito cultural de lobotomizar os diferentes que viçou no pós-guerra americano. O máximo a que chegamos nesta triste corrida foi a internação forçada de alguns maluquinhos de classe média, como o próprio Paulo Coelho.

São necessários hospitais que acolham doentes mentais para dar-lhes chance de retornar a viver em sociedade

Por outro lado, um problema real em qualquer lugar, mormente em um país pobre como o nosso, é a má qualidade do atendimento hospitalar. Os manicômios brasileiros eram tão ou mais horrendos que os de nossos irmãos do norte, ainda que por razões diversas. Jogando o bebê fora com a água do banho, todavia, aqui no Brasil a desnecessária campanha de conscientização transformou-se em “luta antimanicomial”, quando se poderia e deveria lutar por melhores manicômios. A “luta antimanicomial” faz tanto sentido quanto uma “luta antihospitalar”. Ninguém vai para o hospital por gosto: vai-se por necessidade. Exatamente o mesmo ocorre com doenças mentais. É evidentemente melhor que se tenha tratamento ambulatorial quando isto é possível, mas também é evidente que há ocasiões em que isto não é possível.

Doenças mentais, muitas vezes, são mais perigosas que doenças físicas. Já perdi duas pessoas queridas, que estariam vivas se tivessem podido ser internadas. Mas a “luta antimanicomial” fechou os manicômios para pretos pobres, e não era gente em condição de pagar clínica particular. Eram pessoas que viviam bem em sociedade por um tempo, mas de vez em quando surtavam e precisavam se tratar em regime de internação, saindo depois para voltar apenas quando necessário. A história foi a mesma: sem que seus familiares conseguissem convencê-los a tomar os remédios, saíram delirantes a procurar confusão e acabaram mortos numa porta de botequim. Outros tornam-se mendigos. Outros são prostituídos à força.

Manicômios de pesadelo, meros depósitos de doentes nus sendo eletrocutados e apanhando, evidentemente não devem existir. Mas hospitais que acolham doentes mentais para dar-lhes chance de retornar a um grau de controle de si mesmo que lhes possibilite viver em sociedade são algo tão necessário quanto os hospitais onde se internam doentes físicos.

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