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Carlos Ramalhete

O fenômeno é mundial

Não é só o Brasil que está politicamente confuso: o fenômeno é mundial, e sua razão não é meramente política. O que está ruindo, aqui e alhures, não é um governo, ou sequer um sistema de governo, mas uma percepção do que seja a sociedade. A sociedade brasileira é peculiar, com a participação política no sentido moderno restrita à classe média, mas mesmo aqui o partido da burguesia que se crê esclarecida, ironicamente batizado “dos trabalhadores”, está sendo lentamente arrancado do poder, como um daqueles bernes africanos longos e finos que são puxados devagarinho para fora para não arrebentar e envenenar sua vítima. Seus sucessores – PSOL e quetais – veem-se reduzidos ao núcleo duro ideológico que não lhes permite ganhar eleições majoritárias.

Nos EUA, a eleição presidencial aparentemente vai opor a Hillary Clinton – a representante das elites oligárquicas tradicionais – o demagogo histriônico Trump, que se não houver nenhuma intervenção manipulatória da oligarquia certamente ganhará a eleição. Nas Filipinas, outro bufão acaba de ser eleito presidente. Na Áustria, o sistema político está sendo posto de ponta-cabeça pelo sucesso eleitoral de um partido populista e demagógico, dito “de extrema-direita” pela mídia. No Peru, a filha de Fujimori soprou as brasas do populismo paterno e está à frente nas eleições. Na França, o partido populista (igualmente pintado como “extrema-direita”) Front National continua sua lenta e firma ascensão. Aqui mesmo no Brasil, numa eleição com tempo de televisão igual para todos, Bolsonaro estaria à frente no páreo presidencial.

O que vem surgindo politicamente é apenas um reflexo distorcido da desordem social reinante

O recado da História é simples: ao contrário do que disseram as más línguas, ela não acabou. O que acabou foi a situação de estase política supostamente alcançada com o fim da Guerra Fria, em que se convencionou pintar a democracia representativa como o produto final da evolução humana, um sistema que garantiria justiça, saúde e educação sem oprimir a ninguém. O problema é que o que a uns parece libertação costuma parecer opressão para quem está do outro lado da gangorra. A sociedade, ou ao menos seus componentes mais modernos, ganhou com a internet meios de dar a volta na dominação e no discurso único da oligarquia, reverberado por escolas e meios de comunicação de massa, e está expressando claramente seu desagrado com o status quo.

O chato é que toda democracia tende inevitavelmente a degenerar em demagogia, e é este o caminho que a entropia da Civilização das Luzes está tomando. Não estamos substituindo as elites transnacionais por algo sustentável e sensato, ainda que poucas coisas possam ser piores que elas. O que vem surgindo politicamente é apenas um reflexo distorcido da desordem social reinante.

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