Uma análise do discurso político atual, comparando-o com o de 50 anos atrás, traz-nos surpresas interessantes. Dentre elas chama atenção a valorização da palavra "democracia" no discurso atual. 50 anos atrás, a democracia como a entendemos era atacada pela esquerda como "democracia burguesa", contraposta a uma "democracia proletária", ironicamente presente no nome de muitos países comunistas. A República Democrática Alemã era a Alemanha comunista, enquanto a capitalista era República Federal da Alemanha, por exemplo. O Estado de direito não era valorizado no discurso público; o próprio Jango dizia, sem pejo, que as reformas socializantes que propunha seriam feitas "na lei ou na marra".
Ao longo dos governos militares que se percebiam, aliás, como democráticos, por contarem com parlamento (enquanto não estava fechado) e Judiciário independentes , contudo, a oposição consentida fez seu o termo "democracia", em contraposição a "ditadura".
Hoje, a julgar pelo discurso e só pelo discurso, a democracia seria considerada um dos valores básicos do país. Mas o que é realmente democracia? Examinando-se a prática, não apenas o discurso, de nossos governantes atuais (os mesmos que desprezavam a "democracia burguesa" 50 anos atrás), vemos que, se o sentido do termo não é mais exatamente o que se lhe era dado pelas "democracias proletárias" genocidas do século passado, tampouco corresponde ele a uma busca prática de respeitar a vontade popular.
Ao contrário: é considerado "democrático" que o Estado possa ter acesso a dados pessoais dos cidadãos (como os dados de navegação de internet, segundo o Marco Civil), sem necessidade de autorização judicial. É considerado "democrático" tentar calar a oposição, a ponto de ameaçar cortar verbas de uma rede de tevê para que demita ou afaste comentaristas de oposição. É considerado "democrático" distribuir cargos e verbas como se não houvesse amanhã para comprar os votos de partidos inteiros. É ainda igualmente "democrático" aprovar leis abertamente contrárias à vontade popular, à moral e aos bons costumes, seja como ativismo de um Judiciário aparelhado, seja como "normas técnicas" e outros eufemismos.
E, finalmente, é "democrático" aparelhar completamente, até a medula, o Estado, de forma tal que, ainda que surja um candidato de oposição e arranque a Presidência da República das garras do PT, a máquina do Estado continuará por muito tempo trabalhando em prol deste partido.
"Democracia" tornou-se uma palavra mágica, sem sentido próprio. Será que isso é "democrático"?
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