Política é a arte do possível, já disse Bismarck. Outros, mais cínicos, dizem que ela é a arte de roubar o pirulito do bebê que se beija. Na verdade ela é isso tudo, e mais: ela é o terreno em que mais comumente perdemos de vista a floresta, por prestarmos atenção demais às árvores. O possível se torna o fim a buscar, não mais o resultado das concessões que se faz em vista ao fim verdadeiro, e quando percebemos o bonde passou e não entramos nele.
É a situação atual do Brasil. Lula cumpriu sua arrogante previsão e elegeu um poste como presidente. O poste, todavia, revelou-se – na sua estranha gramática – “arroganta” e “incompetenta”, sem sombra do inegável talento de seu criador para os conchavos e armações que sustentam governos nas circunstâncias político-legais de hoje. Gritou com todo mundo, como uma sinhazinha, e alienou até mesmo quem a ajudaria por acreditar em suas intenções. O resultado é que o poste caiu, caiu de podre, e está atravessado no meio da estrada bloqueando todo o movimento. Não há mais presidente; o criador do poste até tentou reassumir de fato o cargo, mas era tarde demais e não funcionou.
A disputa por poder no interior de um (des)governo paralisado retira deste não só o poder de fato como a sua própria legitimidade
A reação da classe política, contudo, foi perder de vista o essencial e ater-se ao passageiro. O assunto do momento são as chicanas e mecanismos – aliás, perfeitamente irrelevantes numa visão de longo prazo – em curso para permitir ou proibir o impeachment da Dilma. Ora, para o Brasil não importa se é impeachment ou cassação da chapa, não importa nem sequer se persistimos a chamar o que temos de democracia presidencialista (quando na verdade é uma oligarquia personalista; a política também é a arte de fazer a ficção parecer realidade pela repetição exaustiva). O que importa é que o poste do Lula está caído no meio da estrada, atravessado no caminho do Brasil.
Cada dia – não, cada segundo! – a mais que passa, maior é o engarrafamento que se forma atrás dele, e maior é o prejuízo às instituições formais de governo. Enquanto os políticos brigam por fatias de poder, vendendo e comprando ministérios e, dizem, decisões do Supremo, esse mesmo sistema se esboroa. Assim como leis ridículas fazem com que se perca o respeito à legislação como um todo, tema que sempre martelo, a disputa por poder no interior de um (des)governo paralisado retira deste não só o poder de fato como a sua própria legitimidade.
Não é mais a persistência da presença do PT ou do PMDB no poder que está em questão, mesmo por não haver oposição verdadeira no nível de Estado (quem seria? Bolsonaro?!). O que está em jogo agora é a sobrevivência da República – da Nova República, se preferirem um rótulo algo esquecido –, isolada do Brasil pelo cadáver político do poste do Lula a fechar a estrada.