| Foto: Alcides Pissinatti

Coisa que sempre me espantou é o tal de “tédio”. Dizia Tolstói que ele é o desejo de ter desejos; realmente não sei. Sei que o fascínio que exercem sobre mim tanto o natural quanto o sobrenatural, tanto o material quanto o espiritual e o intelectual, impede-me liminarmente de experimentar em primeira pessoa tão curiosa sensação.

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Sempre quis que os dias tivessem 40 ou 100 horas, para que eu pudesse escalar uma montanha antes do café da manhã e ainda ter um dia produtivo depois. Desde que me entendo por gente, forço-me sempre, metodicamente, a sossegar um pouquinho para garantir a qualidade de meu trabalho, e meu trabalho é sempre algo que me delicia. Por uma questão de princípio, sempre me recusei a fazer por dinheiro algo que eu não faria de graça.

No Brasil, a única coisa previsível é a imprevisibilidade

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Mas o tal tédio, ah, esse é realmente inexplicável. Como pode alguém no Brasil (no Brasil, senhoras e senhores! Se ainda fosse, sei lá, em algum país nórdico, frio, calmo e civilizado!) sentir-se entediado quando há tanto para ver, para viver, para aprender, para amar ou mesmo para evitar? Nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores... e mais imprevistos, sustos, descobertas e emergências que o que poderia cogitar o poeta.

O tédio implica um mundo domesticado, adestrado, dominado completamente, a tal ponto que nada mais é possível acontecer. Ora, vivemos no oposto disso. No Brasil, a única coisa previsível é a imprevisibilidade. De tudo: do clima à segurança pública, passando pela política e pelas espécies animais (da baixa ecologia que nos traz o zika vírus à nobreza dos micos-leão dourados e demais xodós dos ecologistas), nada está apenas onde deveria, nada se comporta como em vão se esperava.

E a vida ao redor, as moças bonitas que passam apressadas, os rapazes em bando fazendo barulho e assustando as velhinhas, os vira-latas, com aquele ar tão decidido que eles têm, encaminhando-se certamente para alguma reunião importantíssima para a qual estão na hora certa... Tudo isso é fascinante, tudo isso é a vida que passa e dança debaixo do nosso nariz. É um breve contra o tédio, esse tédio mítico que ainda não consegui encontrar.

Não sei se concordo com Tolstói; creio que não. Afinal, além da tautologia evidente há um problema mais profundo em sua frase: não se trata do desejo de ter desejos, mas da ausência daquela outra coisa que o velho mestre russo também possuía aos borbotões, o amor. Evidentemente não é possível desejar ter desejos, mas é, sim, tristemente possível deixar de amar ao ponto de não perceber mais uma declaração de amor divina no brilho prateado de uma teia de aranha molhada do sereno na noite quando tocada pelos primeiros raios do sol.

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Deve ser triste, muito triste, não conseguir amar.