Quase 30 anos atrás, o governo militar argentino enfrentava, como o atual, uma crise. A solução encontrada para ganhar algum apoio popular foi a mesma que os governos americanos têm usado nos últimos 70 anos: uma guerra.
É um desses paradoxos da natureza humana: em tempos de ameaça, as pessoas se unem em torno da autoridade e a apoiam de modo quase incondicional, mesmo que a crise tenha sido provocada por uma agressão gratuita feita pela mesmíssima autoridade.
Em 1982, os militares argentinos atacaram as Ilhas Malvinas, um pequeno conjunto de pedregulhos a 460 quilômetros de distância da costa, habitado há mais de século e meio por ingleses e dependente da coroa britânica. A guerrinha besta, vencida com facilidade pelos ingleses, provocou a morte de quase mil jovens argentinos e ingleses. Enquanto durou, contudo, fez com que um frenesi de patriotismo mal direcionado melhorasse temporariamente o ibope dos generais que então dominavam o país.
O Brasil, com o jogo de cintura que sempre nos caracterizou, ficou em cima do muro. Apoiou formalmente a Argentina como quem não contraria um maluco nervoso, mas sempre evitando entrar em conflito com os ingleses. Ironicamente, foi um apoio "pra inglês não ver".
Agora, contudo, quando a situação interna do governo argentino está novamente precária, o Brasil entrou com mais força no mortífero joguinho de vaidades territoriais. Foi confirmado ontem um acordo que impede que barcos registrados nas Ilhas Malvinas entrem nos portos brasileiros. É um ato agressivo, que pune apenas os 3 mil e poucos habitantes das ilhas, mas com forte valor simbólico. Com a situação atual do governo argentino, contudo, que há coisa de quatro anos já se retirou unilateralmente do acordo de exploração conjunta de petróleo na região, a chance de que mais uma vez um morticínio de jovens seja usado para angariar apoio da população está pairando no ar como um corvo de mau agouro.
Fossem as ilhas desertas, não haveria problema: que os políticos brincassem de quem manda mais entre eles, com pedras e pinguins como prêmio. Mas gerações de pessoas lá nasceram, lá vivem, lá casam e têm filhos. São eles, além dos jovens soldados, quem tem mais a perder nas guerrinhas com que os políticos procuram inflar o ibope.
Confesso que eu ficaria feliz se o nosso governo prezasse a paz acima das lealdades ideológicas que os liga aos neoperonistas argentinos e, mais uma vez, se limitasse a não contrariar o maluco nervoso. Guerra nunca é bom.