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A Paixão de Jesus

A narração da Paixão que nos é proposta hoje é a do evangelista Mateus. Ele, ao longo de toda a sua narração, continua a observar que tudo o que está acontecendo a Jesus foi previsto pelos profetas: tudo estava escrito no Antigo Testamento. Por exemplo, quando ainda está sentado à mesa, durante a última ceia, Jesus pronuncia uma frase que serve como uma explicação de tudo o que acontecerá em seguida: "O Filho do Homem vai, como dele está escrito". Em seguida, no Jardim das Oliveiras, quando os guardas se aproximam para prendê-lo como se fosse um bandido, Jesus reage, dizendo: "Tudo isto acontece para que se cumpram as Escrituras dos profetas".

Também os outros evangelistas observam o cumprimento das Escrituras, porém, Mateus o destaca com maior insistência. Por que faz isso? Porque Ele escreve o seu Evangelho para os judeus, e estes esperam por um Messias vencedor, um dominador grande e poderoso, um rei superior a todos os soberanos deste mundo. O povo se pergunta: como pode Jesus ser o Messias? Ele foi derrotado! Aos pés da cruz os judeus manifestam esta sua ideia no insulto que dirigem a Jesus: "Salva a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz"!

Diante de um Messias derrotado, Mateus responde: as profecias do Antigo Testamento anunciam um Messias humilhado, perseguido e morto, diz que Ele deveria ser um companheiro de todo homem sofredor e oprimido. Até os menores detalhes da Paixão de Jesus, como por exemplo, a traição de Judas por trinta moedas – nos diz Mateus – foram anunciados pelos profetas.

Outro ensinamento que Mateus quer transmitir é o seu repúdio à violência e ao uso das armas. Somente ele nos relata a frase de Jesus dirigida a Pedro, que tinha empunhado a espada para defendê-lo: "Guarda a espada na bainha, porque todos aqueles que usam a espada perecerão pela espada". Os primeiros cristãos não tinham dúvidas: o discípulo de Cristo deve estar disposto, como o Mestre, a dar a vida pelo irmão, e jamais e por motivo algum matá-lo.

Há dois fatos narrados somente por Mateus: o sonho da mulher de Pilatos e o gesto de Pilatos lavar as mãos. São dois detalhes que indicam a responsabilidade que os líderes do seu povo assumiram em relação à morte de Jesus. Mateus lembra ainda a frase: "O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos". Esta expressão, infelizmente, foi muitas vezes mal interpretada e induziu muitos cristãos a odiar e perseguir os judeus. Tratou-se de um equívoco trágico.

As palavras referidas por Mateus quer somente alertar todos os homens e, portanto, a nós também, contra o perigo de não reconhecer ou até de condenar o Messias. Nós também hoje o encontramos: no pobre, no necessitado, no doente, em cada ser humano que precisa da nossa ajuda e que nós podemos não reconhecer, podemos condená-lo ou não opor-nos a quem o condena.

Quando não defendemos o irmão acusado injustamente ou maltratado, quando consentimos em qualquer forma de violência contra o ser humano, fazemos cair sobre nós mesmos e sobre nossos filhos o sangue de Cristo. Diante de tantos sofrimentos, de tantas angústias, de tantas injustiças que os homens devem suportar, nós também nos sentimos levados ao desânimo. Mateus nos lembra, porém, que o mundo novo já começou no momento da morte e ressurreição de Cristo, embora a sua plena manifestação ainda esteja longe. Esse mundo novo se aproxima toda vez que um discípulo tem a coragem de dar a sua própria vida por amor, como fez Jesus.

Dom Moacyr José Vitti, arcebispo metropolitano de Curitiba.

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