As alterações no Código Florestal aprovadas nesta quarta-feira não afrontam somente um bem comum. Afrontam a justiça.
Aqueles proprietários de terras que não desmataram suas áreas de preservação permanentes, assim como aqueles que eventualmente desmataram, mas as recompuseram, ficariam em nítida desvantagem em relação àqueles que descumpriram a lei. Esta é a anistia de que tanto falam.
A última versão vai ainda mais longe e desobriga não só da pena, mas até da recomposição da floresta.
O Código é longo e a bancada ruralista preferiu alterar detalhes que não aparecem muito, mas fazem diferença. Com uma palavra, por exemplo, passaríamos da situação atual de medir a área de preservação permanente a partir do limite máximo das cheias dos rios para o limite médio, que em muitos casos implicaria uma redução ainda maior do que a proposta redução de 30 para 15 metros.
A falta de visão empresarial de muitos proprietários rurais talvez se deva a tantas destas fazendas serem empresas familiares, herdadas quase que monarquicamente. Não é preciso ter muita visão para ser um herdeiro meia-boca. Ainda no século 19 os proprietários rurais estavam tão preocupados em manter sua mão de obra gratuita que não enxergaram que empregados remunerados seriam os mesmos que pagariam por seus produtos. Não enxergaram que estavam trocando escravos por clientes. A situação agora não é muito diferente.
Para continuar cultivando até a beira do rio e em locais íngremes, ambos sem muito ponto potencial agrícola, muitos proprietários rurais estão dispostos a comprometer a qualidade e quantidade de sua água um fator vital cuja importância vai ainda aumentar nos próximos anos e a colocar o pais em uma situação frágil nas barganhas mercantis internacionais. Se este novo Código for aprovado como está, o Brasil perderá força nas negociações internacionais, com nossos produtos sendo barrados por sua origem associada ao desmatamento. Os muitos produtores rurais inteligentes que conheço são ambientalistas também por interesse próprio.
Felizmente muita água ainda tem de correr por debaixo da ponte antes de esta lei ser promulgada. Quero crer que a maturidade institucional a que chegamos impedirá que esta versão do Código Florestal veja a luz do sol e que o mesmo Estado de direito que limita a atuação do Movimento dos Sem-Terra sirva agora para coibir a anistia para os proprietários rurais que estiveram fazendo errado por décadas, garantindo, assim, que a água continue a correr também depois de promulgado o novo Código Florestal.