Somos contemporâneos eu e o Código Florestal. Assim como ele, pouca gente me levava a sério no começo. Não sei sobre mim, mas ele foi feito de má vontade, atendendo a insistentes pedidos. Tudo foi dito mas nada definido em suas primeiras versões. Topo de morro e beira de rio têm um tamanho para você e outro para mim. Deste jeito foi possível satisfazer tanto ambientalistas (afinal o Brasil tem um Código Florestal) quanto proprietários de terras (se ninguém sabe o tamanho, é porque não existe de fato). Deu muito trabalho dar nome aos bois em versões posteriores do Código Florestal.
Os progressos têm sido dificultados na medida em que proprietários de terra percebem que a sociedade exige deles contribuição ambiental compatível com a já dada por empresários de outros setores, pelos cidadãos e pelo governo, e que afinal o Código começaria a valer.
Temos agora um projeto de lei que anistia aqueles que não cumpriram uma lei de 45 anos de idade, além de colocar poder de decisão nas suscetíveis máquinas estaduais. A anistia é um tapa na cara dos bons agricultores. A atual Câmara, com vários deputados multados por desmatamento, não só se safou, como ainda deu uma banana para os muitos proprietários rurais que estiveram na lei ao longo dos últimos 45 anos. A transferência para estados não só abre caminho para a raposa cuidar do galinheiro como nos casos de Santa Catarina, que já aprovou lei estadual conflitante com o Código Federal, e Mato Grosso, que no mês passado bateu recordes de desmatamento. A estadualização do Código Florestal abre uma competição inversa, do tipo guerra fiscal, com a alienação do patrimônio ambiental estadual em troca de votos.
Temos também uma manifestação da presidente contra esta proposta de lei, que, no entanto, pode ser mero jogo de cena diante das acusações que o governo teria entregue o Código em troca da blindagem do ministro Antonio Palocci. Estamos agora em um intervalo de jogo, possivelmente longo, até que a proposta passe no Senado.
Apesar do desastre potencial desta anistia ser aprovada no Senado e não ser vetada pela presidente, a sociedade tem mostrado um envolvimento nunca antes visto. Há poucos anos eu precisava explicar o que era o Código. Agora sou chamado para falar para plateias fortemente polarizadas, nas quais termino sendo mais mediador que informador. Há 90 anos, a sociedade fazia concessões às pressões de um pequeno grupo de visionários ambientalistas e hoje ela faz uma concessão a um pequeno grupo de proprietários de terras saudoso de sua antiga condição.
A história seguirá seu curso e os produtores perceberão, apesar da resistência, que florestas fazem bem para seu negócio, assim como a lei fez bem para o oeste norte-americano e a abolição da escravatura fez bem para a agricultura brasileira. Até lá, ainda teremos notícias como a do Pará: um casal de extrativistas foi assassinado e teve as orelhas decepadas enquanto eu escrevia esta coluna, na manhã de quinta-feira. Não é só em Brasília que precisamos de mais lei e justiça.