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flavio quintela

Coragem?

Outro dia estava jantando com nossos vizinhos, e surgiu o assunto das reclamações mal-educadas vindas de clientes. Minha vizinha, que é uma mulher sensível, disse que fica muito mal quando recebe reclamações ou e-mails ríspidos. Naquele mesmo dia eu havia recebido uma mensagem em meu contato desta coluna, e resolvi mostrar a ela, até mesmo para animá-la em relação às suas clientes. Ela chegou a corar de vergonha, de tantos palavrões e xingamentos que me foram enviados, e ao fim me disse: “Não sei como você consegue ler isso e não ficar arrasado. É por coisas assim que não tenho coragem de escrever o que penso”.

Esta frase de minha vizinha já me tinha sido dita por diversas outras pessoas, em mensagens de agradecimento e congratulações que costumo receber dos leitores desta coluna e de meus livros. E sempre foi uma coisa que me intrigou, pois nunca considerei um ato de coragem escrever algo, a não ser que seja alguém escrevendo contra os Castro em plena Cuba. Quando penso em coragem, a primeira coisa que me vem à mente são imagens dos soldados aliados na Normandia.

O que há de tão temeroso em expor a própria opinião?

Enfim, pensei que o assunto daria um bom tema para esta coluna. E aqui estou, escrevendo exatamente o que penso num espaço nobre da mídia nacional (graças à Gazeta, que me dá total liberdade para isso). E eu penso o seguinte: a militância de esquerda dominou por completo o aparato educacional e midiático brasileiro nas últimas cinco décadas em parte por falta de gente inteligente e intelectualmente preparada que não tenha medo de dizer e escrever o que pensa. Infelizmente, os idiotas não costumam ter esse tipo de medo; eles são capazes de transmitir suas idiotices em cadeia nacional, se houver oportunidade, sem nenhuma vergonha ou receio de que suas palavras sejam mal interpretadas, criticadas ou combatidas. Já aqueles que ponderam suas afirmações, que pensam em como serão interpretados, que dão importância ao embasamento de seus discursos, estes muitas vezes preferem se calar a enfrentar possíveis críticas – tanto as genuínas e fundamentadas como as hidrófobas e irracionais – e com isso privam a sociedade de sua contribuição importante para o debate de ideias.

Mas o que há de tão temeroso em expor a própria opinião? Seria a reprovação dos que pensam de maneira diametralmente oposta? Ora, isso seria algo deveras irracional, já que pessoas com opiniões tão divergentes geralmente não fazem parte do grupo de pessoas que elegemos como as que mais nos importam na vida (em meu caso, minha esposa e meus melhores amigos). Bom, talvez seja a reprovação de nossos familiares; afinal, não escolhemos nossa família, e no meio dela pode haver muita gente que pensa bem diferente de nós. Mas isso também não seria um bom motivo, pois a família é justamente o grupo social onde o exercício da tolerância deveria prevalecer sobre o exercício da crítica. Resta o medo de ser criticado pelos pares, pelos que pensam da mesma forma, mas neste caso a crítica será provavelmente pontual, já que se compartilha um núcleo de valores, e pode ser benéfica ao indivíduo no fim das contas.

Não sendo possível explicar o medo de se expressar por motivos racionais, restam os motivos emocionais, que eu pessoalmente considero os únicos responsáveis pelo comportamento em questão. O fato é que a maioria das pessoas dá muito valor e importância ao que os outros pensam a seu respeito. Jamais me esquecerei de uma das primeiras aulas que ouvi do professor Olavo de Carvalho, na qual ele dizia que a única opinião que realmente nos importa neste plano terreno é o de nosso cônjuge. Afinal, é com ele ou ela que passaremos o restante de nossas vidas e, se faltar o respeito e a admiração no casamento, ele caminhará para o fracasso ou para a frustração. Filhos não precisam nos admirar, pais não precisam nos admirar, amigos não precisam nos admirar. Não estou dizendo que ser admirado é ruim – na verdade é bem gostoso –, mas a necessidade de ser admirado em si é algo ruim. Aquele que consegue se livrar do peso de ser aprovado pelos outros recebe em troca uma liberdade ímpar na vida, a liberdade de ser o que bem quiser e se expressar como bem entender. Vale a pena experimentar.

Quanto aos julgamentos, o único que realmente importa é o divino, e Deus não depende de ler suas palavras para conhecer seu pensamento.

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