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Flavio Quintela

Precogs do ventre alheio

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(Foto: Divulgação)

Desde o dia 29 de novembro passado, quando o STF legislou sobre o aborto até o terceiro mês de gravidez, o assunto tem estado entre os mais discutidos nas redes sociais e nas seções de comentários de diversos portais de notícias, incluindo o desta Gazeta do Povo. Os defensores dessa crueldade o fazem apoiados nas mais esdrúxulas argumentações, sobre as quais falo um pouco aqui.

Uma parte dos abortistas – usarei este termo aqui com o sentido de qualquer pessoa que acredite que o aborto é moralmente justificável – defende a prática dentro do prisma da saúde pública. Dizem eles que, já que a mãe vai abortar de qualquer maneira, que o faça legalmente, amparada pelo Estado, para minimizar o seu risco de morte. Para justificar essa lógica absurda, eles invocam estatísticas mentirosas e números simplesmente impossíveis de se comprovar. É claro que, se não se prestam nem ao serviço de utilizar dados verdadeiros, por que deveriam ser levados a sério quando o assunto é a vida de um ser indefeso? E ainda, se não são capazes de medir um evento factual como a quantidade de abortos terminados em morte da mãe, como podem definir o momento em que a vida passa a ser vida?

Vidas que seriam vividas, desfrutadas e abençoadas são jogadas no lixo e apagadas antes de seu início em nome de uma prevenção socioeugênica

Uma outra parte dos abortistas defende a morte de bebês no útero com base no direito da mãe sobre seu corpo. Essa parte geralmente inclui feministas radicais que gritam “se não tem útero, não opine” para qualquer homem que, como eu, resolva opinar sobre o assunto. Fazem isso como se fosse necessário viver uma situação para se ter uma opinião balizada e fundamentada sobre a mesma. E defendem sua autonomia corporal como se um bebê dentro do útero não tivesse um DNA distinto do da mãe, ou seja, como se não fosse um ser completamente único. O bebê é tão distinto da mãe no início da gravidez quanto no dia de seu nascimento, ou mesmo no seu primeiro aniversário, e jamais pode ser tratado como um apêndice de outro corpo. Autonomia corporal é poder fazer lipo, é poder aumentar os seios, é poder trocar de sexo. Matar um bebê é assassinato.

Uma terceira parte dos abortistas, e desses vem o título deste artigo, gosta de brincar de prever o futuro. Em 2002, o filme Minority Report foi lançado, com Tom Cruise em seu papel principal. A história do filme é muito interessante: três jovenzinhos com faculdades sensoriais elevadas – os precogs – são mantidos numa espécie de transe utilitarista pelo órgão policial-judiciário da época (o filme se passa em 2054), e suas capacidades preditivas são usadas para prender criminosos pouco antes de cometerem um crime. No filme, essa divisão da polícia é conhecida como “pré-crime”. Mesmo na ficção de Hollywood, o aviso de que alguém estava prestes a cometer um delito grave chegava minutos antes da ocorrência do mesmo, e era comum o pré-criminoso ser pego já na cena em que cumpriria seu destino.

No nosso Brasil, e no resto do mundo também, os precogs do ventre alheio conseguem prever a desgraça de uma vida desde seu primeiro mês de gestação. Dizem eles que, se uma mãe optar por rejeitar seu bebê, melhor mesmo será matá-lo antes de nascer, porque do contrário o seu futuro certamente se resumirá a crimes e a uma vida à margem da sociedade. Ignoram a bondade e a caridade, ignoram todas as histórias de órfãos que superaram dificuldades e venceram, ignoram a vida humana no que ela tem de mais belo. Seu fatalismo cruel ecoa nos ventres defraudados e ocos das milhões de mulheres que abortam a cada ano em todo o mundo. Futuros médicos, garçons, engenheiros, atores, músicos, dentistas, aviadores, atendentes, enfermeiros e advogados, entre outros, são reduzidos a um amontoado mórbido de minicadáveres de pretensos futuros criminosos. Vidas que seriam vividas, desfrutadas e abençoadas são jogadas no lixo e apagadas antes de seu início em nome de uma prevenção socioeugênica digna do Terceiro Reich.

Aliás, a única coisa que separa os abortistas do nazismo das décadas de 1930 e 1940 são algumas décadas. A crueldade é a mesma, o desprezo para com a vida é o mesmo, a pretensão de julgar o valor alheio é o mesmo. Em uma coisa são piores, no entanto: os nazistas daquela época levantavam suas mãos inflamados pelo discurso apaixonado de seu líder; os abortistas de hoje defendem o indefensável por si mesmos, sem Hitler, sem SS e sem coação. Não poderão nem sequer alegar ignorância se um dia forem confrontados por conta de seu pecado diante de um tribunal divino de cuja existência duvidam e fazem troça. Não há nada que leiam, nem este texto e nenhum outro, que os faça abandonar o posicionamento em favor da morte.

Para quem defende a vida, esta foi uma semana de luto.

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