Uma regra não escrita e até que bastante respeitada é a de que suicídios não devem ser noticiados. Seria para não incentivar outros. Talvez, mas, quando a regra ganha exceção – como nos últimos dias, com o trabalho jornalístico intenso feito sobre o chamado “jogo da baleia azul” –, fica claro que não falar é pior ainda.
Resumindo o tal jogo: consiste em cumprir 50 desafios como assistir filmes de terror, mutilar os braços e por aí vai até chegar ao último: cometer suicídio. Por coincidência (ou não?), esse jogo apareceu em meio ao hype sobre o seriado 13 Reasons Why, que trata justamente de suicídio.
Em 13 episódios, a adolescente suicida “explica” as razões para ter feito o que fez. Há um griteiro danado contra a série, com muita gente acreditando ser perigoso adolescentes assistirem e acharem que suicídio seria uma solução para seus problemas. Não assisti a tudo ainda, então não posso dizer se e quanto haveria esse risco. Mas vi o suficiente para dizer que, ao menos, há um retrato suficiente de algo essencial em todo suicídio: a transformação do sentimento de impotência em pretensa onipotência.
Um suicida em potencial precisa perdoar e ser perdoado. Mas não há perdão sem lavação de roupa suja
Tivesse Hannah Baker razão ou não nas suas “razões”, fosse ela uma drama queen ou não, o fato é que a dificuldade de se enturmar e de fazer amigos que levou ao sentimento crescente de isolamento e invisibilidade, somada às fracassadas tentativas de mudança, de fazer diferente para aparecer, ser notada, só foi cristalizando sua desesperança em impotência completa. O suicídio, ao contrário do que se tenta vender por aí, parece, sim, uma solução para o sofrimento: é a última esperança dos impotentes desesperados. Quando o sujeito perde o medo e entra no “modo suicida”, a “coragem” adquirida transforma seu sentimento de impotência no seu oposto. 13 Reasons Why mostra isso com perfeição: Hannah adquire um poder sobre todos os seus supostos algozes, poder que eles jamais tiveram sobre ela.
Infelizmente, já vivi próximo a suicidas e sei bem que, quando estão próximos do ato, não há mais “conversa”, “ajuda”, algo do gênero. O tempo disso acabou. No “modo suicida” tudo o que há é confronto, briga, vingança, justiça, ressentimento. É a regra da vida: na falta do amor, poder. No tal jogo da baleia os desafios são fundamentais por isso, testando a “coragem” e o poder pessoal até o limite extremo. Isso é atrativo para adolescentes porque precisam se testar para se conhecer, descobrir do que são capazes, o quanto suportam e até onde conseguiriam ir.
Em outras palavras, quando falamos com suicidas não estamos falando com fracotes, com quem precisa de ajuda; estamos falando com quem aparenta ter coragem maior do que todo mundo. Daí porque precisam de vigilância 24 horas por dia: podem se matar a qualquer instante mesmo. Não raro só costumam dar ouvidos a quem não demonstre medo deles – algo difícil, é claro – e não seja condescendente.
Por isso também que as atitudes posteriores a um suicídio, procurando evitar que outros o cometam, costumam soar hipócritas. Por exemplo, escolas e pais que subitamente se interessam pela vida interior de seus alunos e filhos porque alguém próximo se matou, vindo com um discurso de “oferecer ajuda”, não convencem. Por melhores que sejam as intenções, essa não é a hora de “oferecer ajuda”, mas de reconhecer uma realidade e se dispor a ouvir. Um suicida em potencial precisa perdoar e ser perdoado. Mas não há perdão sem lavação de roupa suja. Não falar sobre suicídio é apenas esconder a sujeira debaixo do tapete.
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