O romance de estreia de Diogo Rosas G., Até você saber quem é (Record), é um alento num meio literário medíocre como o atual. Autor meticuloso, escreve com esmero e cautela, entregando uma história enxuta, de leitura fácil, mas enganosa a quem se deixe levar por essa facilidade. É construída como um jogo de espelhos entre dois livros: o que o personagem Roberto escreveu, A vida do escritor brasileiro Daniel Hauptmann, narrada por um amigo, intercalado pelo que conta sobre a volta de Roberto para casa, depois de tudo que viveu ao lado de Daniel.
Embora a maior parte do livro seja sobre Daniel, o protagonista é Roberto. O título indica isso, pois o drama de Daniel era menos saber quem era do que como conseguir ser quem gostaria de ser. Os amigos viviam na “Curitiba mítica” das décadas de 80 e 90 e comungavam do mesmo sentimento em relação à cidade: ressentimento. Curitiba é retratada como um lugar isolado e solitário a quem tenha vocação intelectual. A certa altura, Roberto mostrou ao seu psiquiatra um e-mail de Daniel no qual este identificou em Leminski a mesma percepção, concluindo que Curitiba sempre fora assim, e assim continuaria a ser, “onde todos nós enlouqueceremos aos poucos e teremos uma morte triste”.
Autor meticuloso, Diogo Rosas G. escreve com esmero e cautela
Perguntado se assim se sentia também, Roberto ficou desconfortável, respondendo: “Sim... Não... Não sei.” Roberto era como seu amigo, não gostava de falar de si, sendo uma esfinge evitando a todo custo se revelar, senão no mínimo necessário. Uma das raríssimas vezes em que falou algo, descobrimos que na adolescência morou na Austrália, onde estudou teatro e sonhava ser ator e dramaturgo. Mas, voltando a Curitiba, nada disso havia, tudo desaparecera, não havia perspectiva. Quem ele poderia ser? Entrou na faculdade de Jornalismo e não conhecia ninguém. Foi quando cruzou com Daniel, o único com quem conseguiu conversar sobre teatro.
A partir dali começou a luta para sair de Curitiba, ainda que sem saberem. Conseguiram através de Daniel e o restante do livro é a história do que viveram, da perdição do amigo e dos crimes que cometeu, forçando Roberto a retornar a Curitiba sentindo-se “um derrotado. Minha vida foi um erro e eu deveria ter morrido com os outros”. Todo o processo terapêutico com o psiquiatra que resultou no lançamento do seu livro sobre Daniel, portanto, foi uma tentativa de Roberto de tentar entender quem ele era. Ele entendeu, mas o que nós, leitores, conseguimos saber?
A esfinge nos vence, infelizmente. Depois de contar ao psiquiatra o sonho que o levou a entender tudo, desse tudo ficamos sabendo apenas a razão para voltar a Curitiba. Roberto compreendeu que foi uma fuga, mas, mesmo que houvesse razão para isso, “por que não ficar e lutar?” O livro que escreveu sobre seu amigo pode, assim, ser interpretado de duas formas. Seria a primeira vitória dessa luta interior ou, então, o desfecho de uma travessia pessoal que, tal como a de Riobaldo em Grande Sertão: veredas e a de seu amigo Daniel, trazia o sucesso como consequência de mais um pacto fáustico? Não há como saber ao certo, mas terminei a leitura tal como Roberto ao contemplar a foto da ex-namorada de Daniel, em cuja imagem havia “uma intencionalidade de dor e agressão impossível de ser ignorada”.
Eis aqui um livro sério, de um autor promissor que, curitibano como seus personagens, ainda traz dentro de si o mesmo isolamento, solidão e ressentimento. Que este livro lhe tenha exorcizado tudo isso e, nos próximos, a esfinge seja revelada.
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