Chico Buarque canta João e Maria dizendo que pela sua lei se é obrigado a ser feliz, mas pra lá desse quintal é uma noite que não tem mais fim. Aí, vem outro Buarque, o Cristovam, senador da República, e apresenta projeto de emenda à Constituição para incluir no texto como essencial à busca da felicidade, um conjunto de direito sociais, desdobrados em direito à saúde, educação, moradia, lazer, assistência e previdência social, proteção à maternidade. Insuficiente a felicidade química, agora se inventa a felicidade legal.Será que o exercício de todos esses direitos faz a pessoa mais feliz? Um norte-americano que ingere alimentos suficientes para alimentar três pessoas, consome energia suficiente para aquecer e transportar quatro, mora em espaço suficiente para cinco, é mais feliz que alguém que vive na linha da pobreza? A felicidade é objetiva ou subjetiva? Os europeus que tudo conquistaram padecem de visível e triste tédio diante da ausência de coisas grandes para conquistar. Os desafios de tudo fazer como os que temos no Brasil são causa de infelicidade?
A intenção do senador Cristovam Buarque é generosa. Diga-se, a candidatura a presidente da República em 2006, com discurso centrado no tema da educação foi a nota poética daquela eleição. A sua presença no pleito foi causa de felicidade. Os contorcionismos a que o mercado eleitoral compele os candidatos mais competitivos dão ar quase patético às eleições. Para que a tristeza não seja avassaladora, sempre surgem candidaturas poéticas que fazem discursos melódicos, quer usem a cadência do samba ou de Camões. Voltando da digressão, o senador diz que a felicidade se desdobra em sete dimensões: para cima é estar bem com Deus; para baixo é estar em harmonia com a Terra; para frente é não ter medo do futuro; para trás, não ter remorso; para o lado direito, estar de bem com a família; para o lado esquerdo, conviver com a comunidade (o mundo); por fim, a sétima dimensão, é para dentro, é estar bem consigo.
A expressão jurídica da generosidade do senador não é rústica como se um tirano decretasse a obrigação de ser feliz. A rigor, isso seria inconstitucional porque qualquer um poderia alegar cerceamento ao seu direito de ser infeliz, rabugento, mal-humorado, mal-amado. Ele foi suficientemente hábil para redigir a proposta de modo a que o direito seja relativo a aspectos materiais como meio para a felicidade, assegurando que a pretensão de mudança do texto seja congruente com os princípios da Constituição, se mantendo a liberdade para ser feliz ou infeliz. Assim, mesmo quem possua todos os bens materiais, tem o direito a escolher se quer ser feliz ou infeliz. Isso, a rigor, reduz a felicidade a seu aspecto subjetivo, isto é, ao modo como a pessoa vê o mundo e se vê nele. O exemplo clássico nos livros de filosofia é o adultério: se Tício acredita que Laetitia é fiel, apesar das escapadinhas secretas que ela dá enquanto ele vai à guerra contra os bárbaros, Tício é subjetivamente feliz. Doutra banda, Laetitia age como Penélope e se mantém fiel enquanto Tício está em combate, mas Tício não acredita nisso e fica subjetivamente infeliz. Em outras culturas sequer há o conceito de adultério, não sendo a multiplicidade de parceiros fonte de tristeza, só de alegria. Não são os fatos que produzem felicidade, mas o modo como a pessoa se posiciona diante deles.
Lupicínio, cantado por afinados e desafinados, dizia que o pensamento é uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar. Ainda que a felicidade vá embora, na minha casa, lá detrás do mundo, encontro o aconchego que restaura as emoções e traz nova sensação de felicidade. É no eu profundo que está a felicidade. Diga-se a música, chave das portas da alma, tira qualquer um da fossa, como o sofisticado balanço do famoso dezesseis toneladas.
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