O território gigante parece tudo suprir. O mar, no nosso cotidiano, é praia, areia, gente bronzeada e sete ondinhas para pular em oferenda a Iemanjá. Talvez uma das distinções entre brasileiros e portugueses seja a "oceanovisão". Para os lusos, o mar compõe a paisagem física e emocional. Poesia, música, narrativas épicas, folclore, economia, gastronomia, sempre o mar, mar salgado pelas lágrimas de Portugal. O cais não rompe, liga. Nossos heróis, mitos, folclore, estão na floresta, no pampa, na caatinga, no cerrado, nas montanhas e vales. Cavalos, carro de boi, caminhões pau-de-arara frequentam nosso imaginário. Mares, marinheiros, barcos, nem pensar! Dizem que as pessoas são elas e suas circunstâncias. As nossas nos tornaram telúricos, terrais.
Na cena de abertura da narrativa brasileira, último grande encontro entre civilizações que medraram isoladas, as naus de madeira, encimadas por velas que propiciaram navegação contra o vento (invenção do MIT da época, a Escola de Sagres), emolduravam o cenário. Os navios criaram a nossa história e hoje estão no museu da memória. Deixaram de fazer parte da vida, da rotina, das profissões que almejamos para os filhos. Por consequência, não damos atenção ao imenso espaço oceânico sob nossa soberania (a Amazônia azul) e pensamos nos portos como fim do mundo, lugar de ruptura, de adeus.
A ausência do mar no cotidiano brasileiro faz a discussão sobre o marco legal regulatório do portos e da participação dos estados federados na riqueza marítima ficar como assunto de políticos e de corporações laborais e empresariais. Notadamente na questão dos portos, o senso comum de autossuficiência dificulta a compreensão da imperiosa necessidade de modernização. As pinturas em livros escolares, nas quais marinheiros de Cabral puxam água e víveres com cordas para dentro da caravela, permanecem como referência do que é um porto. Porém o mundo não tem nostalgia desses tempos simplórios e os portos hoje são pontos de conexão na rede de comércio global. É nessa perspectiva que a nova lei dos portos deve ser examinada pela sociedade para exigir que a inovação diminua custos.
Tivemos três aberturas portuárias: 1808, 1993 e 2013. A primeira liberou o acesso de navios ingleses à nossa costa; a segunda, recém-superada, tentou trazer alguma novidade, mas foi obstada por intensa resistência de empresários e trabalhadores que lucravam com o atraso. Na terceira tentativa não há lugar para erro.
Todavia, não basta a lei. É preciso ousar e criar portos que superem o estereótipo de lugar imundo, feio, perigoso, por onde circulam pessoas estranhas. Armazéns bonitos, com pintura limpa, iluminação adequada, pátios grandes, maquinário sem ferrugem, controle severo de pombos, ratos, pragas. É possível imaginar que um dia os navios sejam carregados a bombordo e estibordo ao mesmo tempo, que haja instalações portuárias higiênicas, bonitas, às quais se possa levar as crianças para passear e ver navios colossais, que filas de caminhões sejam coisa tão do passado quanto barcos a vela. Enfim, que os portos nos conectem à modernidade.