Ao convidar jocosamente um amigo vegetariano a almoçar numa churrascaria, acabei dizendo que a opção dele era saudável, mas não garantiria vida muito mais longa que a dos carnívoros, afinal, o tempo é que faz mal à saúde. A resposta foi surpreendente: não é por mim, é pelos animais! Naquele momento tive vislumbre da motivação da opção alimentar e segui adiante com a faina da manhã. Volta e meia a grandeza moral do assunto trafegava pelo pensamento e, sem temor de experiência quase religiosa, aquiesci com a ida a um restaurante vegano.
Cenouras, folhas, vagem, arroz integral, beterraba, frutas. Sorrateiramente peguei meio ovo, que enfeitava uma salada, e pimenta vermelha Ferrari que encantou a minha visão. O prato ficou colorido como desfile carnavalesco. A prosa rolou e parei de pensar numa costela de chão. O dia seguiu seu curso e as cores dos vegetais não saíam da minha retina. Súbito, a epifania: aos esquimós não é dado ser vegetariano; mais, qualquer povo de deserto gelado ou arenoso está compelido a consumir carne! Lembrei-me dos buracos no gelo para pescar, a caça de focas e até de baleias em canoas minúsculas feitas de couro, em meio a icebergs. Eles fazem qualquer coisa por comida e não conseguem desfrutar de spaghetti a bolognesa, com muito carboidrato e nem de frutas como fonte de vitamina.
Decorre dessa constatação a percepção de que os humanos são onívoros e por isso se adaptaram a todos os biomas do planeta. Se fossem especializados como pandas (comem broto de bambu), coalas (folhas de eucalipto), não teriam se disseminado nem se desenvolvido até a inteligência sapiens. Se por natureza nos alimentamos de vegetais e animais, a condição vegetariana escapa do natural; ela é moral no sentido de respeitar o frango ou o boi como ente vivo capaz de sofrer ao ser confinado e abatido. Arrá! Achei a resposta para a motivação profunda da abstinência: elevação moral. Porém, surgiu outra dúvida: sem ingerir carne, é imperioso enriquecer a dieta de vegetais para assegurar a dose adequada de proteínas e outros nutrientes do menu carnívoro. Como isso é possível?
Antigamente, mas não muito, a variedade de grãos, legumes, verduras, frutas disponíveis era limitada à produção local. Os transportes eram demorados e caros demais. Além disso, havia pouca pesquisa para adaptação das plantas a latitudes distantes das originais. Recordo que era quase impossível encontrar rúcula no Recife no início dos anos 80. Hoje, no buffet de um restaurante vegetariano de padrão mediano, há miríade de produtos vindos diretamente de outros países ou aclimatados. Frutas esquisitas como kiwi, kino, pitaia, physalis eram inacessíveis até para os ricos. Agora estão na feira, ao lado de banana e laranja, onde também se encontra alho-poró próximo do prosaico aipim. Esquimós ou bosquímanos do Kalahari se extasiariam diante da fartura de cores, sabores, texturas, valores nutricionais.
Como opção moral, o vegetarianismo é possível por causa dos avanços civilizacionais. Nossos antepassados, por mais que tenham sentido piedade dos animais, não dispunham de alternativas alimentares para rejeitar a ingestão carnal. Na Bíblia, a sequência alimentar vai dos vegetais no paraíso à carne depois da queda. Talvez os refinamentos da civilização devolvam dieta paradisíaca.
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