| Foto: Felipe Lima

O tom jocoso do título está no livro Sapiens – uma breve história da humanidade, quando o autor, Yuval Harari, professor na Universidade de Jerusalém, alude à ingenuidade das pessoas que acreditam em paraísos perdidos nos tempos dos caçadores-coletores. Mitos sobre a convivência emocional entre humanos, bichos, árvores, pedras. Para essas crenças, a solução para as angústias da modernidade está na volta ao modus vivendi ancestral que o capitalismo, consumismo, egoísmo (qualquerismo) destruiu. Ir aquém, com a licença para abusar do oxímoro.

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De novo me lembro da minha mãe dizendo para eu escrever de modo simples. Perdão por não conseguir. Leve dose de hermetismo gera possibilidades hermenêuticas que me encantam. Há prazer literário em lançar reptos aos leitores.

Retomando o carreador depois de devaneio pela floresta mágica dos duendes e fadas, as ideias de Harari são apoiadas em estudos arqueológicos que demonstram a existência simultânea do Homo sapiens e dos neandertais. Estes ocupavam as áreas hoje denominadas de Oriente Médio e Europa quando aqueles migraram do nordeste da África, faz uns 100 mil anos. A leva de migrantes foi dizimada.

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A nota distintiva entre sapiens e os demais primatas é a possibilidade de se agrupar muito além do laço genético

Ocorre, há uns 70 mil anos houve a Revolução Cognitiva decorrente do incremento da capacidade intelectual dos sapiens para abstrações que engendraram a criação de ideologias, religiões, ordenamentos normativos que funcionaram – e funcionam – como liame para a articulação da ação de milhões de pessoas. Há 30 milênios outra migração teve início e os neandertais, incapazes de organizar multidões, foram extintos.

As revoluções cognitiva, agrícola e industrial geraram três megaondas de extinção de formas de vida. A Oceania e a América eram ambientes de larga variedade de mamíferos gigantes. A chegada dos pequenos bípedes pensantes foi o apocalipse para leões marsupiais, preguiças gigantes, mamutes. Abraço de tamanduá.

Os mamíferos em geral, e os primatas em especial, formam grupos cujo visgo é o parentesco. Clã é o nome desse agrupamento de hominídeos em que todos se conhecem e sabem agir na teia de relações que se forma sob um patriarca. Contudo, a nota distintiva entre sapiens e os demais primatas é a possibilidade de se agrupar muito além do laço genético, alcançando cifras de bilhões de indivíduos, a exemplo das abelhas. Ah, elas têm rainhas, operários, soldados, mas não há bacharéis em Direito.

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Harari faz cotejo curioso: 100 mil pessoas num estádio é a final da Copa do Mundo; igual número de chimpanzés, o caos. O futebol não existe na natureza; constructo, não dado. Ordem imaginada intersubjetiva sediada na rede de comunicação que conecta os indivíduos. A organização nessa escala não está nos genes humanos, como está nas abelhas. Para transmiti-la aos descendentes é imprescindível ensiná-los.

A ordem imaginada se materializa em normas – constituições, leis, decretos, portarias, costumes. Obedecer a todas não é humano. Idem para desobedecer. As pessoas comuns obedecem a maior parte das normas, na maior parte do tempo. Imperfeito; humano.

Na imperfeição, ir além, com a leitura dos caracteres do ácido desoxirribonucleico. O texto divino é denotativo ou há espaço para conotações?