O cientista e escritor Isaac Asimov enunciou, em meados do século passado, as regras a serem observadas por entes de inteligência artificial, sejam ou não antropoides. Em suma, os robôs não devem ferir humanos e não devem modificar, nas suas informações básicas de operação do sistema (Bios), essa determinação.
Asimov percebeu que as máquinas adquirirão consciência e poderão se voltar contra o criador. Se houver revolta dessas criaturas, os humanos, em razão das fragilidades biológicas, estarão em franca desvantagem e sua continuidade pode ser ameaçada.
Tudo parece tão irreal, ficcional. Você viu esse filme também. Assistindo ao protagonizado por Antonio Banderas, me ocorreu a analogia entre as normas de Asimov e os direitos fundamentais apresentados na Constituição: ambos se destinam a proteger o criador da criatura.
As máquinas inteligentes e o Estado são aparatos concebidos para facilitar a vida humana. Para alcançar as suas finalidades, são mais fortes, rápidos, racionais que os indivíduos. Ambas as criaturas são poderosas e perigosas. Por isso, imprescindível inscrever nas linhas dos programas que pautam esses Leviatãs a conduta servil em relação às pessoas.
Os tiranos sentem o aparelho público como seu próprio corpo e, agigantados, atropelam as partículas, os indivíduos
A decisão de construir Estado pode ocorrer numa epifania constituinte ou se estender em longo processo edificador. Isso é indiferente. O fato é que, para se protegerem umas das outras e de grupos extraneus, as pessoas criam organização política que tende a se sofisticar e adquirir alto grau de distinção em relação aos genitores, como se tivesse vida própria.
A falta de concretude do Estado não significa inexistência. Música, matemática, lendas são imateriais e moldam o cotidiano. O poder político brota da organização das pessoas, isto é, quando elas definem alguns assuntos nos quais atuarão de modo idêntico, ao mesmo tempo. Assim, milhões em sintonia e sincronia se tornam irresistíveis. Os motivos para a ligação entre os indivíduos são abstratos, são ideias. O Estado é conjunto de ideias consolidadas na mente de muita gente que age em processamento paralelo articulado em rede.
Distintamente dos robôs, o Estado não tem inteligência própria. Em cotejo com máquinas, o Estado é um automóvel e o governo, o motorista. O piloto é a consciência visível do aparato, mas cada parte pensa por si. Os tiranos sentem o aparelho público como seu próprio corpo e, agigantados, atropelam as partículas, os indivíduos.
A prudência recomenda instituir controles internos e reforçar a proteção dos indivíduos. Sabedoria velha, como se vê no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto de 1789, fase não violenta da Revolução Francesa. Ali já se afirmava necessário estabelecer a separação dos poderes e a garantia dos direitos individuais.
Ignoro se entidades de inteligência artificial cumprirão fielmente a programação de servir. Os Estados não a cumprem e, amiúde, de guardião passam a algoz. Imprudente atribuir-lhes demasiada potência. Em outras palavras, a maximização do Estado é danosa ao indivíduo.
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