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Raul Seixas dizia que seria melhor alugar o Brasil, ironizando nossa incapacidade de usar a riqueza natural para o progresso. O roqueiro baiano sugeria que déssemos lugar aos gringos, cobrando caro porque há vista para o mar. Feitas as devidas adequações, está na hora de ceder em locação o melhor ponto de lançamento de foguetes do mundo: Alcântara, no litoral do Maranhão. Veja bem, locar o ponto, não vender o imóvel.

O campo de Alcântara está dois graus ao sul da Linha do Equador (222 km), à beira-mar e com baixa densidade demográfica no entorno. Quando um foguete sobe dali em direção à órbita geoestacionária – 36 mil quilômetros sobre o Equador –, a distância a ser percorrida é menor que a de todos os outros pontos de lançamento, inclusive Kourou, na Guiana Francesa. Mais perto, menos combustível, mais carga útil no foguete. O segundo aspecto é que a Terra é "gorda" na cintura e gira com velocidade do oeste para leste. Assim, a linha equatorial funciona como atiradeira do objeto que alça voo nessa latitude. Acresça-se o clima estável, sem tempestades. Alcântara é o Nirvana dos foguetes espaciais.

Como Raul dizia, "tá tudo pronto aqui, é só vir pegar". A ladainha lacrimosa de Eduardo Galeano sobre as veias abertas da América Latina, vista por outra perspectiva, significa que de nada servem riquezas naturais sem conhecimento e habilidade para convertê-las em riqueza social. Temos o melhor sítio de lançamento de foguetes e mal e mal fazemos rojões juninos.

Ainda não conseguimos lançar satélite por meio de veículo brasileiro. Há rosário de fracassos e uma tragédia em 2003, na qual morreram duas dezenas de engenheiros. Alcântara tem instalações rudimentares. Para equipá-la, custa uma fortuna e nenhum político parece firme para enfrentar a crítica fácil dos que acham isso bobagem enquanto há gente passando fome, sem atinar para os efeitos positivos irradiantes que a capacidade espacial trouxe às sociedades desenvolvidas. Alugar parte da base gerará recursos para equipamentos e inteligência brasileira apta a ingresso no clube espacial.

Americanos, russos, europeus, chineses, japoneses não gastam dinheiro com projetos espaciais porque são ricos. Tornaram-se ricos porque investiram em tecnologia e usaram a conquista do espaço como móbil do esforço acadêmico, industrial, militar. Dominam o ciclo que vai da fabricação dos componentes dos foguetes ao controle dos satélites e retorno de pessoas e objetos. Esse conhecimento é sensível pelas implicações militares e, no âmbito civil, rende fortunas – tanto que pagamos aos gringos mais de R$ 200 milhões por ano em aluguel de satélites. Ninguém compartilha ou vende a capacidade tecnológica. Devemos construir a nossa a partir das universidades nacionais.

Na 65.ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a presidente da entidade afirmou que "a legislação brasileira é anticiência, antitecnológica e anti-inovação". Diante dos temas primitivos da nossa política, falar de ciência parece coisa de lunático. A persistência se destina a colocar em pauta o debate sobre a inanição científica que nos impede de transformar Alcântara em polo da atividade espacial do mundo.

Quem sabe em outras passeatas haja cartaz dizendo: "Brasil, vem pra rua e vai pra lua!"

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