Protestando pela paz, Yoko e John ficaram pelados dias a fio sobre uma cama. É divertido olhar retrospectivamente a perceber a ingênua megalomania que os motivou. Realmente se achavam os tais, imaginando que o mundo pararia em contemplação da boa intenção de ambos. Era 1969, a guerra no Vietnã ganhava as ruas nos Estados Unidos, os Beatles ainda não haviam anunciado a ruptura. Com o sonho quase no fim, os dois, trajando pijama, resolveram pedir que se desse chance à paz. Protesto divertido, mobilizou a imprensa, mas foi bad peace, factoide incapaz de ir além da mera diversão.
As coisas pareciam mais simples quando se tinha 17 anos e a grande angústia era a vontade de dançar a noite inteira com a menina mais bonita do salão. E assim, querendo dançar e protestar, imaginando a inexistência de fronteiras, religiões, causas para matar e morrer, sonhadores envelheceram. Lennon foi subitamente alvejado pela realidade e transcendeu a velhice. Não foi possível começar de novo.
A arte engajada desejava mudar o mundo. Nada mudou ou tudo está mudado? Às vezes se tem a sensação de permanência e outras de revolução. Depende do momento emocional do observador e do relance da situação observada. Talvez tudo tenha mudado para permanecer como sempre foi. Creio, a arte que ambiciona o prazer alcança com mais intensidade o resultado. Engajada ou Lady Gagá (alienada) a música deixa registro que marca a memória sentimental. Desafinados cantarolam fragmentos da melodia, independentemente da compreensão do projeto do artista. Severina Xique Xique comprou... um quilo de farinha pra fazer farofa-fá enquanto Pedro Caroço quer lhe paquerar-ar-ar. Como era a letra? Ah, esquece, quem canta os males espanta.
Grudentas, as melodias se misturam na cantoria do banho. Algumas são piores do que cola e a cabeça tenta voltar às músicas do John e Paul, mas o cérebro está fixado no farofa-fá. Aí, todas as considerações e análises sobre a ingênua militância de John se perdem na luta para vencer o refrão e o verso da farinha de mandioca com pimenta malagueta. Tentando trilha neuronal para voltar às imagens dos lençóis e travesseiros que serviram à manifestação pela paz, caio na lembrança da música Make Love, Not War e me lembro do piano que me aperta o peito até hoje e da simplicidade da afirmação de que o amor é a resposta, como todos sabem.
De repente, Severina Xique Xique espanta a Asa Branca que bateu asas do sertão, intonce eu disse adeus Rosinha. Ai, meu Deus, misturei tudo. Melhor parar de filosofar sobre a paz mundial, me entregar à pregnância musical e deixar rolar todas as melodias que o banho quente faz jorrar na mente. Quem sabe um belo banho pode ser modo de protestar contra a sujeira na política!
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