| Foto: Felipe Lima

Em 1925 a revolução bolchevique estava no começo e o sonho não havia demonstrado ser pesadelo. Na balbúrdia do nouveau régime a polícia do pensamento ainda não havia atingido o refinamento da Stasi e houve alguma produção intelectual dissonante da ideologia oficial do Estado. Entre esses pensadores estava Eugênio Pasukanis, que escreveu sobre teoria do Direito, com articulado interessante sobre Direito Internacional, no qual, pela perspectiva de luta de classes ampliada aos Estados, fez observações sobre o conteúdo “burguês” das normas.

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Hoje, depois de o Seu Jorge cantar “burguesinha, burguesinha”, o termo ganhou conotação pejorativa sem conteúdo político e soa hilariante que alguém se incomode com o adjetivo que outrora soava como anátema dos santos contra os demônios. Contudo, à época, entre os sofisticadinhos, a palavra era acusação mais grave do que a imputação de homicídio.

Os mais fortes continuam vencendo as guerras. Porém, existe o prumo do Direito Internacional para examinar se direito ou torto

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Ainda com a voz balançada do Seu Jorge ricocheteando nas paredes do crânio, volvo ao tema: Pasukanis diz que o raciocínio sobre a igualdade jurídica dos Estados é falacioso porque factualmente eles são díspares. O gigantismo de uns contrastado com o nanismo de outros é determinante das relações interestatais e o chamado “Direito Internacional” é apenas máscara para disfarçar a desigualdade real.

Primária confusão entre as coisas que são e as que devem ser, mais ou menos na linha da mistura do direito com a força. A onça não tem direito ao almoço e a capivara não tem a obrigação de ser devorada. A predadora é forte, rápida, astuta; a presa se defende como pode. A guerra é vencida pelo mais forte, não por quem tem razão.

Ao afirmar que todos os países devem ser considerados juridicamente iguais, se está a dizer que a relação entre eles deve ser pautada por direitos e obrigações, independentes da capacidade militar ou econômica. Isso não é hipocrisia, é o reconhecimento de que os bons modos são necessários justamente por causa da brutalidade latente na condição humana. A polidez talvez decorra de delgado verniz sobre a fera, mas isso a torna mais importante, não menos.

Ao considerar os países como iguais, as pessoas que o compõem são também tidas por relevantes, significativas. Há substrato moral de alteridade, ver o outro como a si próprio. Pois bem, Pasukanis detrata essas ideias e arrola como velharias o rol de direitos fundamentais dos Estados, formulado a partir do século 17, por Grotius: direito à autopreservação, à independência, ao comércio internacional e ao respeito.

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A análise representativa do pensamento jurídico marxista remanesceu como fóssil útil para estudar a evolução e estabelecer teoria sobre a origem das espécies e da seleção cultural. O fato moderno é a afirmação da igualdade como base das Nações Unidas, cujos membros reconhecem a existência de direitos e obrigações recíprocos. A rigor, o Califado – dito Estado Islâmico – não pode participar da ONU porque se vê como superior. Os outros são presas a serem conquistadas, não iguais com quem se relacionar civilizadamente.

Os mais fortes continuam vencendo as guerras. Porém, existe o prumo do Direito Internacional para examinar se direito ou torto. Quanto mais difícil a vida, mais os bons modos são importantes.