Grunhidos bárbaros denotam substantivos concretos. A sofisticação silábica greco-latina propicia abstrações substantivas. Às vezes insta recompor fragmentos de palavras que os clássicos utilizavam ou, repetindo-as ipsis litteris, lhes dar nova carga semântica, para expressar considerações sobre coisas que os antigos não viram.
Thomas More, há 500 anos, usou o grego para criar o nome da sua maior obra: Utopia, não lugar, o lugar que não existe. Ciber tem o sentido de pôr ordem, governar. Passou a ser usada como organização de sistemas de informação e, no senso comum, relaciona-se aos computadores. Ciberutopia designa as imaginações de futuro que magnificam a importância da computação, como se a humanidade fosse se tornar melhor por causa das máquinas.
Quando a internet se tornou popular, os otimistas disseram que o amanhã seria melhor do que ontem, com a democratização da produção e difusão da arte, conhecimento, opinião, ciência. Todos produziriam e todos consumiriam. Antes das facilidades da internet, vivia-se escassez de informação atribuída aos gargalos de mídia. Sonhava-se com a existência de oceano informacional represado pelos "capitalistas" da imprensa reacionária.
A internet barateou a propagação. Sem a represa dos custos do papel, das concessões, dos equipamentos da televisão, ficou-se à espera do tsunami de arte e conhecimento que inundaria o planeta. Passam ano, dois, dez e nada. O oceano era seco. Imaginou-se o Pacífico e se constatou o Saara.
O psicólogo Adolf Tobeña observa, ao tratar da influência da mídia, que a internet se diluiu na futilidade global, geradora de muito ruído e pouca informação. O venerado Big Data "mal chega a ser audível e, escusa dizer, jamais consegue ser ensurdecedor", diz ele no livro Cérebro e Poder.
Na verdade, os gargalos de informação mudaram de endereço. As fibras ópticas pelas quais transitam os bytes são escassas entre os continentes. A iniciativa privada depara com restrições ambientais e ideológicas para aumentar a oferta de circulação dos dados. A analogia da internet com rede de pesca é falaz. Parece mais espinha de peixe, ligada por um único tronco dorsal.
Os mimeógrafos dos centros acadêmicos eram menos potentes que os blogs, zapzaps, facebooks, mas a internet não é o Nirvana da informação. Em boa parte do mundo os governos impedem o acesso a conteúdos que reputam inadequados à plebe. No pedaço em que a internet não é censurada, é espionada, a exemplo da Europa e dos Estados Unidos.
Dois fatos infirmam a ciberutopia: não existe abundância de conteúdo esperando fenda na represa para extravasar; e a internet, como veículo de comunicação, não eliminou todos os estrangulamentos de controle estatal ou do capital.
O futuro deve ser de ampliação das linhas de comunicação entre os computadores, para que a internet se torne parecida com rede, reduzindo a dependência das vias estruturais, os chamados backbones, democratizando a veiculação. Porém, assegurado o meio, qual será a mensagem? Nessa, não há tecnologia que dê jeito. É preciso ciência.
Para gerar conteúdo, imprescindível tê-lo. Esse só vem com estudo para valer, livre das pieguices pedagógicas que premiam a tibiez e a desídia.
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