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Friedmann Wendpap

Cidade Luz

 | Felipe Lima
(Foto: Felipe Lima)

O epíteto de Paris denotava a iluminação pública, feérica para o século 19. Com o tempo, passou a conotar o brilho intelectual, artístico, político que emanava. De certa forma, se tornou a continuação de Atenas para o Ocidente, com liceus, ateliês, academias, museus, assembleias, conflitos. Na confluência cultural entre germanos e latinos, a cidade sintetizava o mundo civilizado. Décadence avec élégance, na feliz expressão do Lobão, acometeu a França e a pénombre caiu sobre a cidade. Baça, perdeu a majestade e Madri, Londres, Roma, Berlim se tornaram tão ou mais luminescentes.

Tudo seguia tediosamente, normal como Hollande, o picolé de chuchu deles, até o atentado contra a sede do jornal satírico Charlie Hebdo, por fundamentalistas islâmicos que mataram 12 pessoas a pretexto de vingar caricaturas de Maomé. Parte da violência ocorreu na rua e há imagens trágicas de uma pessoa sendo metralhada na calçada. Nova York, Madri, Londres, Boston, Ottawa haviam sido carimbadas com o sangue de vítimas de atos inexplicáveis no modo ocidental de administrar as divergências de opinião.

Ressalto a distinção entre explicar e justificar, para dizer que Moscou também sofreu agressões praticadas por pessoas que diziam agir em nome do Islã, porém, há substrato do litígio nacionalista da Chechênia. Assim, acrescida à violência decorrente de intolerância religiosa, existe revolta de povo dominado pelos russos faz 150 anos. Nesse caso a explicação encontra alguma racionalidade, embora a violência como meio de ação política não seja justa. Portanto, é injustificável.

Ao listar as cidades, me lembrei dos atentados mais famosos, porque há muitos ocorridos na África, Ásia – especialmente na Índia e Paquistão – e, recentemente, Oceania. Quando acontecerão aqui? Sim, a possibilidade existe. Somos "infiéis" na perspectiva dos fundamentalistas islâmicos. Expressamos opinião livremente. Iconoclastia, humor, sátira, deboche são parte da cultura na qual estamos imersos. Para nós, a religião não define amigo ou inimigo: é tema da vida privada, quando muito, do círculo social de alguém. Nunca assunto público. Potencialmente, estamos na alça da mira. É questão de tempo para tragédia dessa natureza.

O cristianismo já foi intolerante com a diferença. Guerras religiosas entre cristãos sangraram milhões de pessoas na Europa, Oriente Médio, África. Até recentemente irlandeses se mataram e o ridículo da desavença se tornou evidente ao ser contrastado com a tolerância com as variações do cristianismo, com os agnósticos, ateus. Na Ásia, por outros caminhos, também se consolidou a tolerância religiosa entre budistas, xintoístas, confucionistas e minorias, a exemplo da cristã e muçulmana.

Lembro-me de um livro de Desmond Tutu, bispo anglicano, denominado Deus não é cristão, denotando amorosa amplitude da tolerância. Se ele tivesse escrito "Deus não é cristão, nem muçulmano", entraria no rol das pessoas a serem mortas por opinião divergente dos crentes violentos?

Por que ainda se mata em nome de uma religião? A fé é medo ou amor?

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