Étienne de La Boétie publicou o Discurso Sobre a Servidão Voluntária pouco tempo depois de O Príncipe, de Maquiavel. Qual deles se tornou famoso? O francesinho delineou a trilha para o povo comum se livrar das tiranias. O florentino fez manual para a conquista e a manutenção do poder, ainda que se seja mais temido do que amado. Os destinatários da ode à liberdade eram analfabetos; as elites letradas espalharam os preceitos maquiavélicos pelo mundo, relegando La Boétie ao ostracismo.
Os 500 anos de distância mostraram que o poder sempre muda de mãos, famílias, grupos, povos. O poder é dinâmico e não há fórmula maquiavélica que o fixe em algo ou alguém. Quando os políticos obstruem o fluxo natural do poder, as barragens ruem fragorosamente. A violência dessas situações tende a banir o tirano e reter a tirania, com a repetição do erro de barrar o caudal da energia política.
O aprendizado, para que o poder seja fonte de cidadania e não de servidão, é que os meios para sua conquista, manutenção e transmissão são determinantes para a boa qualidade de vida social. A fórmula de La Boétie é a democracia na qual o processo (estrutural) é mais valioso que o resultado (conjuntural).
A pretexto de cuidar dos pobres, a onda tiranopopulista faliu o erário e desorganizou a economia
Assim, ainda que sejam eleitos representantes com ideias ruins, a continuidade do processo tende a produzir resultado melhor do que a imobilização da história em torno de governo que se julgue divino, com a pretensão da eternidade. Duas cabeças pensam melhor do que uma. No longo prazo, a pluralidade de inteligências produz resultados melhores do que decisões de um ou de poucos.
Argentina e Venezuela são exemplos do valor intrínseco da democracia. É verdade, na Venezuela há características de vilania (ops, tirania), mas manteve-se o voto universal, com a maioria da população tendo titularidade eleitoral e a possibilidade de votar para o parlamento e o Executivo. Por isso, o rio do poder fluiu sem estrondo e trouxe gente e ideias para lidar com o legado das águas passadas.
A onda tiranopopulista produziu déficit abissal. A pretexto de cuidar dos pobres, faliu o erário e desorganizou a economia. Se uma grande empresa vai à bancarrota, as periféricas idem. O Estado é o maior agente econômico. Quando ele quebra, arrasta a sociedade inteira e até outros países. A saúde do erário é base para a mitigação da pobreza. A austeridade à Merkel é a favor dos pobres, não contra.
Os bancos ganham mais dinheiro, com menor risco, quando o cliente-mor é o Tesouro público. Se o Estado não toma emprestado, os bancos são compelidos a ceder empréstimo à gente comum, sujeitando-se à sorte dessas pessoas. As políticas de “esquerda” fazem a alegria dos bancos. Claro, quando o Estado se torna insolvente, todos vão à lona. Porém os pobres sofrem muito mais.
A verborragia de Chávez atacava ficções: imperialismo, conspiração, guerra econômica. Trilhões de palavras mágicas não mudaram os fatos e a fragilidade do castelo, construído sobre a petrodependência, fez ruir a Disneylândia dos órfãos de Gramsci que afluíam a Caracas como quem vai ao céu. Tolos na ida; cínicos na volta. Viam o inferno e narravam o éden.
O fiapo de democracia que restava na Venezuela trouxe as coisas à normalidade tediosa e relaxada da política sem caudilhos. Distraídos, venceremos, dizia Leminski.
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