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Friedmann Wendpap

Testis unos, testis nullus

Dizia o Zé Geraldo, quanto maior o cargo, maior o rombo. Terroristas preparando na surdina suas bombas e mortalhas; a cada conflito mais escombros. Desastres ambientais de proporção bíblica. Senador preso em flagrante, junto com o banqueiro que bancava, por crime contra a administração da justiça. Tecnobrega replicante com duas bandas Calipso. Joelma e Chimbinha lavando roupa suja no palco. A madame Bündchen ensaiando duas orações concatenadas. Ai meus sais, diria personagem do Jô Soares.

A cabeça parece ferver e, por proteção, o equipamento desliga. As notícias rolam no televisor, mas a pipoca é mais importante. O preço do pão, aluguel, arroz, feijão o bife e a condução vêm à mente. Ui, o piruá quase quebrou um dente. Está na hora de parar de delirar e ir à frente a Pasárgada; além dela encontrar a realidade, a super-realidade desses dias quase irreais.

E milhões testemunharam a abstração chamada de “instituição” funcionando

Lemos os jornais, vemos e ouvimos noticiários nas múltiplas mídias. Antenados temos a sensação de que todos se informaram e interpretam de modo semelhante. Hum, tola expansão do ego, como se o mundo fosse imagem e semelhança. Cada um é cada um diz a sabedoria da senhorinha que repreende a neta por ser lambisgoia, seja lá o que isso for. A eufonia da palavra, quase onomatopaica, fica rimbombando no meu ouvido.

Para fugir da ideia fixa olho para o moço no banco ao lado que está jogando tetris na telinha do telefone. Dele, os olhos pulam para o grandão nas três dimensões, que está obstruindo a saída do ônibus, alienado do mundo com fones que despejam música para além das orelhas, alcançando os circundantes. A mocinha que lixa as unhas absorta não deve ter pensado nas agruras e gasturas que passei com as manchetes e entrelinhas. O motorista freia abruptamente e as pessoas são sacudidas a bordo. O dia promete!

Ah, quando houver metrô em Curitiba vai ser tudo diferente, penso baixinho para evitar que os politicamente corretos, de nervos à flor da pele, me ouçam. Imagina ter que argumentar sobre meu sonho de descer a escadaria com jornal debaixo do braço, sentir o vento encanado nos túneis, embarcar num vagão que não feda a diesel e chegue no horário. Ops, outra expansão do ego!

Contudo, será que é loucura ou sou a única testemunha? Não do fim dos tempos porque tenho a impressão de que o inferno é agora e pode, como na Argentina, ser sucedido pelo purgatório. Assim, não círculos do inferno até o anel mais infernal. Mas as coisas desagradáveis, que dão a impressão de iminência da ruína, são o modo de ir adiante. Tenho a impressão de que se vive fugindo de terremoto, daqueles que vai rachando o solo atrás do Indiana Jones enquanto ele corre esbaforido até pôr os pés em chão firme.

Orwell, entre outras genialidades, traduziu a hiper-presença onisciente na figura do Big Brother. A tecnologia que registrou palavras, entonações, reticências, do senador fez mais pela república do que mil testemunhas presenciais. E milhões testemunharam a abstração chamada de “instituição” funcionando. É emocionante.

Tanta coisa acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos.

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