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“Esses malditos três quintos”

 | Felipe Lima
(Foto: Felipe Lima)

Sei, insólito o uso de aspas no título. Explico. Ao ler partes do diário do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que me foram especialmente recomendadas, deparei com a oração e a transcrevi literalmente, obrigando-me a pô-la entre aspas para indicar que não é de minha autoria.

O ex-presidente narra os acontecimentos de 25 de abril de 1996, quando exonerou a economista Dorothea Werneck do cargo de ministra da Indústria e Comércio para abrir espaço ao senador Francisco Dornelles. Indicado pelo Partido Progressista Brasileiro, então PPB (hoje PP), o senador participou da barganha para obter votos no Congresso Nacional com vistas a aprovar reforma da Constituição Federal. Trago excerto para preservar o contexto:

“Além disso, a dúvida é a seguinte: as reformas vão sair? Compensa tanto esforço para fazer as reformas. Esses malditos três quintos. Acabamos caindo na armadilha para a qual tanto alertei no começo do governo. Eu não queria ser prisioneiro do Congresso, porque o Congresso é isso, é negociação incessante. Dorothea me disse coisas duras, que foi obrigada a engolir indicações na Embratur, mostrando esse aspecto de que eu não gosto, mas é da prática brasileira e talvez de todo o mundo.

A hiperconstitucionalidade é problema, não solução

A avaliação dela é que é um preço muito alto, que era melhor parar as reformas e fazer a regulamentação das leis ordinárias, só que ninguém me disse isso antes, nem ela, e todos dizem o contrário. Eu disse: ‘Bom, somos vítimas de uma proposta que é nossa, a área econômica vive afirmando que sem as reformas o Real não se mantém em pé, como é que nós fazemos?’”

Traduzindo a elegância contida de FHC para o português do métier político: comprou apoio de parlamentares em troca de cargos no governo. Por que ele fez isso? Qual a causa da dispensa da honestidade e qualidade intelectual de Dorothea Werneck para abrir espaço ao senador que ingressou no governo como posseiro do feudo, recebendo o ministério como fazenda de porteira fechada? Por que tão cedo – sete anos depois da promulgação – a Constituição carecia de reformas prementes? Por que já houve quase 90 emendas constitucionais em menos de 30 anos? Quanto de apodrecimento das relações entre o Executivo e o parlamento custou cada emenda?

Com intento dialético, não erístico, insisto que a extensão analítica do texto constitucional de 1988 é causa de grande parte dos nossos males. A política não atrairia tanta gente de má índole se não rendesse muito dinheiro. A política se tornou melhor atividade econômica do que assalto a banco porque o ganho é maior e o custo (perigo), infinitamente menor. Qual bandido comum tem milhões na Suíça e ainda por cima goza do prestígio de autoridade pública?

O Executivo deve ter condição de governar sem remendar a Constituição a cada mês, vendo-se compelido a comprar votos. Se o Executivo não for às compras, abre-se espaço para medrar oposição, condição primeira da democracia. Contudo, não adianta expulsar os vendilhões do templo se a crença permanecer incólume.

A hiperconstitucionalidade é problema, não solução. A governabilidade deve assentar nas leis ordinárias, rompendo a relação viciada e viciosa entre governo e parlamentares.

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