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Caminhões-cegonha vindos da Argentina parados nas alfândegas; o governo platino pedindo que as negociações comecem com a restauração da liberação automática das importações brasileiras, mas sem propor reciprocidade para os 600 produtos brasileiros que mofam na fronteira esperando autorização para entrarem no mercado argentino. O jornal do dia está repleto de assuntos para degustar com o café da manhã. De repente, o fogão novinho tem dificuldade para funcionar; olho ao redor e começo a listar: a coifa entrou em pane na semana passada, a máquina de lavar foi trocada porque a primeira encrencava todos os dias; a cafeteira queimou com poucos meses de uso; a máquina de fazer pão pifou misteriosamente. Todos, importados. Ai que saudade do tempo em que as coisas eram nacionais e funcionavam bem por muito tempo!

As lâmpadas são importadas, as luminárias idem. Os sapatos, os tênis, os chinelos. As camisetas, camisas, cintos, gravatas; onde foram parar as alpargatas? Parece que a única coisa que temos para exportar é emprego. Para cada adaptador de tomada de energia, filtro de linha telefônica, termostato de lençol térmico que importamos, surge emprego novo no fim do mundo e fecha um emprego industrial no Brasil, abrindo vaga para entregador de pizza. Os americanos vivem desse jeito: são United States made in China. Porém pequena parcela dos yankees tem domínio sobre tecnologia fina e bens imateriais; isso, por enquanto, os mantém fora da condição de mero bazar. Mas e nós que mal conseguimos industriar os bens primários, renováveis ou não, que brotam do nosso solo?

Quando examino a embalagem de coisas banais como xampu, pente, escova de dente ou de itens sofisticados – aparelho de telefone móvel, computadores portáteis – vejo que pessoas de outros lugares do mundo produziram aquilo e daremos em troca soja e minério de ferro, sinto imenso desconforto. Tenho a sensação de que a continuidade dessa situação nos levará à pobreza por causa da desigualdade dos termos de troca entre bens primários e bens elaborados. Eu me importo com os empregos brasileiros aptos a produzir riqueza e afirmação do engenho e da arte brasileira. Entristeço diante de miçangas e espelhinhos que invadem o nosso cotidiano.

A resposta nacional para a exportação dos empregos relevantes é o fechamento das fronteiras, com a reserva do mercado brasileiro para as empresas nacionais. De 60 a 90 essa foi a política vigente e os leves aspectos positivos foram esmagados pela principal negatividade: sem concorrência, a indústria nacional se comportou de modo ineficiente, protegida em monopólios ou oligopólios. Ficamos quase soviéticos, com a diferença de que eles estavam em competição política direta com os americanos e, mesmo não sabendo fabricar sapatos, conquistaram as estrelas. Nós, bem, nós fazíamos congas, kichutes e vulcabrás 752. Delfim Neto, czar da economia que afundou o país na falência cambial, tinha o bordão: exportar é o que importa.

A capitulação da nossa presença soberana na economia internacional não tem origem na abertura do mercado brasileiro. Não somos eremitas. Estamos no mundo e somos um mundo. Comerciar com todos os povos é condição para o nosso próprio desenvolvimento, mas temos o dever de pautar essas transações pelos nossos interesses e, sobretudo, importar o que nos falta: inteligência científica e tecnológica para que deixemos de ser vistos como a fazenda que vai alimentar os chineses nas próximas décadas e possamos nos afirmar como produtores de bens corpóreos e incorpóreos muito sofisticados.

Contudo, se estudarmos pelos livros que o governo federal tem posto à disposição dos alunos da rede pública, nos quais as normas cultas do idioma são aniquiladas, "nós nunca vai pega o peixe, nós vai espera um vale-peixe" que, possivelmente, será feito na China.

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