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Friedmann Wendpap

Fuga humanitária

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Há semanas manifestei opinião sobre a concessão de asilo a Edward Snowden – o analista de informações que delatou a bisbilhotice de Obama nas comunicações globais –, que recebera ofertas de Bolívia e Venezuela, países inimigos da liberdade de opinião. Por fim, Snowden recebeu asilo da Rússia de Putin, democracia de baixa qualidade, e as coisas rumavam ao tédio até a aventura protagonizada por um diplomata brasileiro para retirar da Bolívia um senador vítima de perseguição política.

O senador Roger Pinto Molina não se tornará ícone de camiseta de adolescente. Sem a estampa testosterônica de Guevara, face gorda, dentes ausentes, tem aparência de pessoa comum, dessas que a gente encontra na fila do ônibus. Duvido de que haja filme parecido com Diários de Motocicleta. Mas a história é emocionante e reveladora do nanismo moral de jefes de Estado que posam de paladinos da liberdade.

Desde a Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático (1954) se assentou entendimento de que cabe ao Estado asilante avaliar se o crime atribuído ao perseguido é político ou não, e ao Estado exilante só resta conceder o salvo-conduto para o trânsito em retirada. Esse tratado veio depois de um peruano, que buscou asilo na embaixada da Colômbia em Lima, ficar retido cinco anos até obter salvo-conduto por força de decisão da Corte Internacional de Justiça.

Na situação atual, o senador ficou preso na embaixada brasileira por ano e meio porque o governo boliviano se negava a conceder salvo-conduto para o deslocamento até o aeroporto, e o governo brasileiro não se empenhava para resolver a situação de cárcere. Em 60 anos não demos um passo adiante para garantir o direito fundamental de asilo, preceituado até na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O caso Roger Molina é quase repetição do Haya de la Torre ocorrido em 1949. Pinochet concedeu salvo-conduto a opositores que obtinham asilo em embaixadas. Evo Morales não!

A polícia de Morales varejou, no segundo semestre de 2011, o avião do ministro da Defesa brasileiro, que estava em visita oficial à Bolívia, à caça do senador Molina. O castigo veio a jato quando Morales foi impedido de sobrevoar França e Espanha sob suspeita de transportar Snowden clandestinamente. Morales foi mais comedido que Fidel: a polícia cubana entrava nas embaixadas para capturar nacionais que pediam asilo político, violando regras de imunidade dos locais diplomáticos.

Ao recriminar a fuga humanitária, a presidente da República disse que a vida do senador boliviano foi posta em perigo, confirmando que havia ameaça significativa ao senador em razão de ter denunciado narcotraficantes incrustados no governo da Bolívia. Assim, a contrariedade da presidente com o procedimento demonstrou que, no mérito, o diplomata Saboia estava absolutamente correto.

A rionegrense Aracy Guimarães Rosa, funcionária do Consulado do Brasil em Hamburgo nos anos 30, desobedeceu ordens do Itamaraty e livrou centenas de pessoas da perseguição do nazismo. A ira santa de Saboia tem precedentes de alto valor moral que dignificaram a diplomacia brasileira. É nesse panteão que inscreveu seu nome.

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