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As discussões sobre genética humana ocorrem em voz baixa porque o horror da eugenia nazista criou tabus que inibem a liberdade de pensamento e indagação. Por isso, melhor articular ideias a partir da afirmação de que Hitler & Cia tinham muita ideologia e pouca ciência, tanto que investiam em redução da diversidade de genes – purificação – algo que enfraquece, como sabe qualquer um que tenha cão de raça. Os vira-latas – miscigenação total – são mais resilientes e longevos que os puros.

O pensamento único das ditaduras totalitárias tende a alcançar todos os aspectos da vida, inclusive a reprodução, elegendo modelos de perfeição que não cedem passo diante dos fatos, a exemplo das vitórias de Jesse Owens – um homem de pele escura – na Olimpíada de Berlim em 1936. Para fanáticos, os fatos estão errados, não a tese ideológica que adotaram.

A sombra do passado criou assimetria entre a habilidade de manipulação genética atual e a escassez de ideias sobre o certo e errado. Vez ou outra a literatura faz incursões no assunto, mostrando pessoas se comportando como admirável gado novo, clones se rebelando contra a matriz, androides biológicos desejando viver como humanos não fabricados. O que era ficção se torna realidade: menina ou menino? A barriga alta, baixa, a lua da concepção, o modo como se mexe, o augúrio da vovó eram os indícios para a decisão de decoração do quarto do bebê. Agora, por quantia módica, se pode escolher o sexo antes da concepção.

Objeta-se dizendo que escolher o sexo do nascituro é intervenção leve porque, homem ou mulher, terá patrimônio genético resultante da álea dos gametas. Contudo, forte ou branda, pode mudar o padrão de nascerem mais machos do que fêmeas, pois a natureza sabe que Marte morre mais que Vênus. Se milhões escolherem o sexo do filho, fatores culturais como moda e religião, podem alterar profundamente as condições de vida no futuro. Índia e China já sentem o desarranjo social provocado pela carência de mulheres.

Até 1960, ano da pílula, relações sexuais e concepção eram inseparáveis. Hoje, a gravidez decorrente de atividade sexual lúdica conota ignorância, descuido ante a imensa responsabilidade de criar um filho. Aquilo que era desígnio divino, agora é decisão humana comum, rotineira, sobre a qual nem se levantam dúvidas éticas agudas. Anticoncepção difere da engenharia genética, mas também interfere na natureza.

Michael Sandel, filósofo de Harvard, discute aspectos éticos da engenharia genética no opúsculo Contra a Perfeição e chama atenção para o incremento da carga decisória que nossos genitores sequer imaginaram. Ressalta que há liberdade de fazer testes genéticos pré-concepcionais, ou logo após a concepção, e de agir ou não em relação ao diagnóstico, mas a opção feita aprisiona perpetuamente.

Na história humana ninguém se viu diante de informações seguras sobre o genoma de futuro descendente e teve poder de decidir pela existência ou não daquela pessoa antes da concepção. É um momento difícil do ponto de vista individual e de grandes implicações coletivas, porém, não há ideias firmes para orientação sobre o bem e o mal.

É preciso dialogar para construir as referências éticas, sem temor de heresia ou de patrulha ideológica.

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