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Vai longe o tempo do lema anárquico-revolucionário "Hay gobierno, soy contra". Hoje, os jornais estampam a inanição da oposição, esquálida em números e sem apelo emocional. O governo, qualquer seja ele – federal, estadual, municipal – transita livre pelos parlamentos, com maiorias que alcançam 80%. Todo mundo quer ser apoiador de quem está na chefia do Executivo e até se gesta novo partido para fazer a ponte imoral, mas legal, da infidelidade. Gente eleita em oposição ao governo federal se apressa para trair os eleitores e se tornar áulico da presidente da República. O que Montesquieu pensaria disso? Que força centrípeta é essa que atrai partidos de todos os matizes ideológicos?

Ideologia, quero uma pra viver. Cazuza cantava a desilusão com as pessoas que iam mudar o mundo e hoje estão em cima do muro. Ideologias são necessárias. O pensamento muda o mundo com seus moinhos de vento, diz Frejat. A unanimidade é burra. Por que tantas pessoas fazem de tudo para marchar céleres rumo à burrice da unanimidade? Imaginar a resposta causa indignação. O governo tem poder de compra e os investidos de mandato, posição de venda. A política é humana, às vezes demasiadamente, mas não é comércio. Quem vende apoio faz negócio, não política; quem compra, estimula o rebaixamento do padrão moral.

Ressalvando a diferença entre entender e concordar, pode-se dizer que é fácil entender as razões que levam alguém a vender seu apoio político. Os adjetivos para essa postura são todos negativos e alguns conotam pequeneza moral, a exemplo de ganância. Mas, por que comprar apoio? Governos apoiados pela totalidade do parlamento existem em Cuba, Venezuela, China, Coreia do Norte, Arábia Saudita, Síria, Equador. É verdade que nesses locais nem sempre é preciso comprar maiorias, pois as regras inibem expressão oposicionista. Nisso são mais honestos que nós. Contudo, não parecem boa companhia quando se trata de falar sobre democracia. Então, não há explicação para essa gana de obter maiorias excessivas, prejudiciais à democracia, que não resvale em posturas inadequadas no exercício do poder.

O poder absoluto corrompe absolutamente. Sem o contraditório poderoso de oposição relevante, o governante brasileiro reina com mais liberdade do que os monarcas antigos que tinham limites religiosos freando suas arbitrariedades. Os reis tinham medo de pecar. O governante atual, hipocritamente religioso para não perder votos, pratica sua arte política sem medo do pecado e peca, escandalosamente.

Os eleitores deveriam se sentir orgulhosos do político corajoso que enfrenta governos sem se render aos encantos de cargos em comissão, verbas para distribuir, licitações para influenciar. Contudo, muitos eleitores apontam preferência pelos políticos que trazem vantagens imediatas, sem preocupação com a manutenção da pluralidade de ideias imprescindível à democracia. O resultado é uma entressafra, na qual o pouco que se colhe é de má qualidade.

A continuar a hipertrofia do Poder Executivo, o parlamento se tornará adereço institucional, incapaz de ressoar as grandes causas públicas, ainda que em posição contrária aos governantes da ocasião, limitando-se à condição de despachante de interesses menores. A bem da democracia, é preciso alguém para contrariar. As tribunas dos parlamentos brasileiros já abrigaram pessoas da envergadura de Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Epitácio Pessoa, Carlos Lacerda, Bento Munhoz da Rocha Neto, Luiz Carlos Prestes, João Amazonas, Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves. Foram eleitos porque havia eleitores que acreditavam na importância desses ícones da dissonância com os governos. Ó eleitor valoroso, onde estás que não respondes?

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